quinta-feira, 24 de setembro de 2009

O literato pervertido vai à academia de ginástica

Aparência física nunca foi seu forte. Para ele esse lance de correr em parque, ir pra academia de ginástica, ter uma alimentação saudável chegava a causar repúdio. Também, qual seria a preocupação física de um literato que gostava de discutir poesias complexas e se refugiar em bebedeiras intermináveis com qualquer ser aparentemente normal que surgisse a sua frente?

É... rolava um preconceito. Para ele era meio 'anormal' ficar perdendo tempo com essas coisas do corpo, essa façanha estética em querer impressionar a todos com seus bíceps elevados, pernas grossas ou peitorais definidos. Não, não. Mais que anormal, chegava a ser estúpido pensar na possibilidade de ficar musculoso.

Mas um dia essa vida de boêmio teria que dissipar. Na verdade, ele mesmo já sabia que qualquer dia teria que frequentar esse local insípido e rondado de estereótipos pueris . Tudo para satisfazer os desejos sexuais de sua nova 'acompanhante'.

Ela era exigente, queria mudar tudo a sua forma. Ele não era besta também; só queria saber de sexo selvagem e estaria disposto a encarar qualquer obstáculo para continuar transando com aquela 'gostosa'. Quem disse que um intelectual não gosta dessas coisas? Existe um preconceito que associa a sede de inteligência por sede de reclusão ou abstinência. Ele sabia que todos estavam enganados quanto a isso. Era capaz de galantear qualquer garota como um pelego qualquer. A única diferença é que ele sabia a diferença entre blues e jazz, os nomes de todos os presidentes dos Estados Unidos, sabia recitar poesias de Carlos Drummond e Fernando Pessoa. Sem medo de parecer imbecil diante das pessoas. Era uma vantagem a mais, um detalhe que fisgava não só as mentes que se interessavam por conteúdo intelectual como ele; ele era capaz de seduzir qualquer um com sua fácil improvisação para a retórica.

Enfim, um dia esse diálogo ia acontecer de qualquer jeito:

- Gosto muito de você. Você tem um poder de sedução muito envolvente, mas acho que está na hora de apimentar nossa relação.

- Lá vem você com esse lance de ser exótica. Já transamos atrás do posto de gasolina numa passeata de carnaval, compramos fantasias infantis para rasgá-las em menos de meia hora em aventuras espaciais, fumamos haxixe no quarto dos seus pais enquanto pensávamos numa maneira de limpar aqueles lençois sem que eles percebessem. Que mais falta?

- Vou ser direta. Às vezes me incomoda sua pancinha de breja. Não que te deixe mais lerdo ou incapacitado mas...

- Já entendi. Você é daquelas que gosta de passear no shopping, comprar coisas, exibir algo a mais?

- Não é só isso...

- Também tem aquele lance de apresentar para as amigas. Sei, você realmente quer levar isso a sério?

- Se você se dispor...

- O trato é o seguinte: já sei onde essa conversa vai chegar, então temos que estabelecer um acordo. Melhor, um pacto. Vou me enfurnar naquela merda de academia, mas você tem que estar apta a fazer o que quero em quatro paredes.

- Ô homem insaciável. Como se eu já não fizesse.

Para ela era fácil cumprir esse acordo. Era faminta por sexo, não conseguia ficar um dia sem mexer aquele esbelto corpo moreno em braços de homem. Para alguns, ela era verdadeiramente foda. Quem passasse e visse os dois juntos, certamente se perguntaria o que ela estaria fazendo com aquele cara meio magrelo, cabelos encaracolados, pescoço fino e barba por fazer. Vai ver ela realmente queria evitar esse tipo de comentário. Era como se ela quisesse botar a relação numa balança, para que o perfil estético de ambos ficassem compatíveis: um casal jovem aparentemente bonito e inteligente.

Ele era bem esperto. Já tinha captado tudo isso. No fundo só queria prolongar as estadias no quarto, tornar isso tão cotidiano quanto a leitura dos livros. Por isso ela era foda. Até nisso. Que mulher se não aquela para fazer o que ele pedisse quando se trancassem em quatro paredes? Ele queria era manter essa vida de safadeza que tinha pedido a Deus.

Eis que ele foi pra academia. Nada de surpresa no ambiente. Algumas encorpadas conversando com os professores, uns bombadinhos competindo pra ver quem puxa mais ferro, garotinhas sapecas loucas para chamar atenção daqueles músculos viris exibicionistas.

Aos poucos ele foi se enturmando com aquela trupe da pesada. Paralelamente, não parava de inovar com sua 'acompanhante', seja no quarto de sua casa, na cama da mãe dela, numa casa de suíngue a três, com mais um casal de pervertidos... era uma vida de largos excessos, sem contar nas bebedeiras no final de semana em que ele se jubilava em contar todos os pormenores de suas aventuras para os amigos de bar.

Mas teve um dia que tudo aquilo começou a encher o saco. Já fazia três meses que estava na academia de ginástica. Até perdera uns quilinhos e adquirira um aspecto físico mais desejável, mas não aguentava mais essa rotina. Isso ele não tinha planejado. Ainda conseguia conciliar esse ritmo de loucura às suas leituras diárias, mas já estava começando a repetir as mesmas posições, os mesmos trejeitos, as mesmas reações. Fora repetir os mesmos pesos na academia, compartilhar os aparelhos com as mesmas pessoas, ouvir aquelas anedotas imbecis todos os dias de que precisava pegar mais peso.

Tinha que acabar com tudo isso.

- Na boa, já chega. Se você quiser transar com outro, vá numa boa. Mas não volto praquela academia com aquele bando de gente imbecil nem que a vaca tussa.

- Você já está perfeito, querido. Talvez tenha sido um erro mesmo...

Parou, refletiu... e disparou:

- Acho que preferia quando você estava mais 'natural'.

- Ahn?!?... Quer dizer que perdi meu tempo à toa naquela joça de lugar?

- Na verdade, não. Tentei voltar as origens, voltar a sair com caras fortes, de grandes peitorais, que fosse compatível com meu perfil de 'gostosa'. Adorei esse lance de conhecer um cara inteligente, que soltasse as palavras certas na hora certa, que tenha ânsia de ir pra cama, que não se intimida com nada, que gosta de curtir com os amigos. Mas, sei lá, talvez eu me sentisse um pouco culpada se ferisse seus sentimentos, se você começasse a recitar aqueles versos apaixonantes.

- Qual é... nunca rolou sentimento entre a gente. Seja mais direta, se quiser romper com tudo eu vou entender.

- Tá vendo? É isso. Pensei que a academia ia mudar um pouco essa sua natureza interior, ia te deixar mais fútil. Aí eu podia me afastar de você numa boa, mas tô vendo que nem isso eu consegui. Além de me sentir culpada por tentar isso, fico constrangida em tentar mudar a pessoa perfeita que você é.

- Tanto faz. Só não quero mais ter aquela visão de machos gemendo pra puxar uma barra de ferro.

- Desencana disso. Pra tentar me desculpar, trouxe minha amiga Kelly.

Surge uma loira, alta, olhos claros trajada de um shortinho curtíssimo e um top que modelava bem seus seios siliconados. Estava suada. Remetia a uma daquelas encorpadas da academia, lembranças que ficavam ofuscadas pela constante presença de homens no local. Aquilo era a provocação em pessoa. Viu que podia encarar, tranquilo. Seria essa uma apelação para voltar para aquele lugar horrendo? Estaria sua 'acompanhante' usando de artimanhas irrecusáveis para prendê-lo naquele ambiente confinado de futilidade?

Eis que ela lança o convite:

- E então, vai ficar levantando questões existenciais ou vai até a sacada conosco?

Ó pergunta cruel!

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