Abaixo de uma arquitetura moderna e sofisticada perduram vozes. Vozes que podiam ou não fazer parte do entendimento das pessoas que passavam pela entrada do Sesc Pinheiros (São Paulo).

Todavia, aos poucos aglomeravam-se interessados, conhecedores e simpatizantes de uma manifestação periférica expressa com sinceridade, aproximando-se nas adjacências de um palco rusticamente improvisado e, ao mesmo tempo, convidativo por sua simplicidade material.

Sinceridade lírica foi o alicerce fundamental para a apresentação do selo
‘Edições Toró’, a união conjuntural de literatura, poesia, capoeira, música e dança de rua, enveredados por Allan da Rosa e Akins Kinte nos versos; Mateus Subverso e Jeff nos passos improvisados; e Márcio Nego Folha nas percussões invariáveis como pano de fundo.

O convite de entrada era protagonizado pelas pichações cibernéticas de
Glauco, acompanhado de um laptop e um retroprojetor mirado à extensa fachada que faz parte do Sesc Pinheiros. A arma, uma caneta esferográfica; os alvos de sua digitalização, tudo de nocivo que se possa imaginar, uma vez que o improviso ditava as regras.

No início da apresentação, os geométricos batuques de Nego Folha introduziam os versos pesados, influência da difícil trajetória das periferias paulistanas. Com muitas toneladas de indignação, contradição de uma feição tão alegre e jovial, Akins Kinte situava a posição social da qual se insere com bastante precisão.

Temos planos palmo a palmo
Palmo a palmo deles em pane
Em pane entre os danos e entre os danos nossos traumas.

Akins Kinte

Para a provocação, Allan da Rosa, exibindo um magistral dom para a interpretação, aludia à literatura de cordel com suas movimentações cabais e gesticulações que procediam junto à uma poesia escabrosa, que refletia uma consequência sócio-cultural da posição dos excluídos diante de uma intragável batalha pela sobrevivência.
Quando da solidão sem chão nem calor
Quando juntos, na nossa cara chove a baba pegajosa e pestilenta
e nas costas a borracha cega do soldado
Quando nossos irmãos mofam arquivados no cimento gelado
ou estercam a vala morna
(...) Uma praia renasce da poça.

Allan da Rosa

O que pode ser um alvo de estereótipo é associar a densidade poética de Rosa e Kinte à marginalidade. Muito além das agruras do infortúnio, há uma leveza simbólica associada às utopias, sonhos, desejos de menino ingênuo, devidamente explícitos nos versos que se seguem. Quem melhor exemplifica é Kinte. Com um jeito amolecado num corpulento negrão de longas tranças, Kinte divagava entre os deleites de uma paixão amadurecida e as declarações espontâneas a um amor próximo, solícito e confortante.

Quanto à profundidade de Allan da Rosa, pulso firme em suas denotações poéticas, se inseria a natureza e os elementos viscerais num acalante discurso existencial:
É você a noite abrindo minha manhã.
O elo da minha sorte com o sonho.
Terra porosa e soberana.
Lírica, além da inveja e do veneno.
Suspiro.

Allan da Rosa

Após as versadas, entram em cena os passos admiráveis dos também capoeiristas Allan da Rosa e Nego Folha, na prática de uma capoeira leve, densa e, ao mesmo tempo, amadurecida por movimentos de difícil eficácia. Tal maestria proporcionou incrível espetáculo aos olhos atentos de um público participativo e cordial com a apresentação simétrica do selo ‘Edições Toró’. Em seguida aos passos de capoeira, Subverso e Jeff entraram num cordato clima de disputa de ‘street dance’, emendando passos de break e imitações robóticas fortemente exploradas nas danças de hip hop. Claro que, sempre pautados pelo ritmo percussivo de Nego Folha.

Para encerrar, o simulacro ditatorial da execução do hino nacional tomaria conta do palco. Organizados por fileiras, Subverso, Kinte, Nego Folha e Jeff obedeciam ao suposto líder Allan da Rosa num sublime ataque às raízes da pátria Brasil. Só o começo é uma jorrada de pedras:
Montaram em nossa canga carnes flácidas
E o boldo é a paga, é o mato desse lanche
Se o sol nascer blindado, os raios úmidos
Irão forjar prum réu da terra esse flagrante.

Ao fim de cada explicitação de ideias, uniam-se palmas de um público entusiasmado por fazer parte de uma manifestação saudável em sua essência e verdadeira em sua voracidade. Encerradas uma hora contada de apresentação, ainda permaneciam alguns transeuntes curiosos de ver os semblantes sobressaltos dos cinco elementos que ocupavam aquele palco improvisado. Para eles, pode ter sido o esclarecimento do que se entende por ‘literatura marginal’. Mas a pergunta que fica é: alguma coisa tinha que ficar esclarecida?

Obs:
§§§
A foto de Allan da Rosa foi tirada pelo fotógrafo Cassimano
§§§ A foto de Akins Kinte foi retirada do blog renatovital.blogspot.com

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3 Atemporalizados:

Anônimo disse...

Salve!! Faltou o crédito para as fotos né mano? ;)

Tiago Ferreira da Silva disse...

É verdade,

Os créditos já foram inseridos. Valeu pelo toque!

Sara disse...

o que é bom para ouvir este tipo de música, eu realmente gostaria de ouvir estas coisas enquanto estou comendo por isso vou procurar um restaurante com musica na página ao vivo na web Itaim Bibi

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