quinta-feira, 23 de julho de 2009

O duplipensar de Netanyahu

Em um livro didático, Joãozinho lê que o Brasil "foi descoberto em 1500 por Pedro Álvares Cabral. Na nova terra, encontrou seres pelados que tinham costumes estranhos, como a submissão a mais de um Deus". Chegando em casa, ele conversa com o pai: "Como Pedro descobriu o país se os indígenas chegaram aqui primeiro. Não foram os índios que descobriram o país?". A resposta ficou vaga. O pai tentou explicar que foi a forma oficial de estampar o Brasil ao mundo. Astuto, João retrucou: "Só porque eles tinham caravelas?"

Futuramente, essa mesma dúvida pode martelar na cabeça de um garoto árabe que vive em Israel.
Binyamin Netanyahu, radical primeiro-ministro israelense, proibiu o uso da palavra 'nakba' (catástrofe) para descrever a criação do estado israelenese (1948) nos colégios árabes do país. Naquela ocasião, mais de 700.000 palestinos (que são árabes) que ocupavam a região foram expulsos dos assentamentos da chamada 'Terra Santa', para darem lugar aos judeus patrocinados pelos Estados Unidos.

Com essa medida, Netanyahu quer estimular o duplipensar, a manipulação da escrita que George Orwell (que foi
contemplado no post anterior) pôs em xeque na capacidade humana de satisfazer seus desejos maquiavélicos. Tirar dos árabes, que podem ser vistos como 'opositores' (pra não usar um termo mais pesado) à religião judaica, a liberdade de interpretar os acontecimentos, tomando como ponto de partida o prisma de sua religião, é um ato hediondo de reprimir a liberdade de expressão religiosa.

Porque detém o poder da casa, Netanyahu acha que pode convencer os estudantes árabes que o ato de Israel foi 'algo divino', consentido pelo Deus de suas Torás, e jogá-los contra os palestinos que sofreram - e ainda sofrem -- com o caos diário que ronda os assentamentos da Cisjordânia. Muito além de reprimir a liberdade de pensar dos árabes, é um mútuo desrespeito aos mais de meio milhão de palestinos que ficaram desabrigados por uma batalha religiosa excludente; e aos mais de 900 civis que morreram nessa disputa territorial movida pela ideologia.

Netanyahu já declarou publicamente que não vai dar trela àqueles que contrariarem aos ideários israelenses. Continuará na peregrinação do terror na Faixa de Gaza e ameaça, a qualquer custo, fazer o possível para desarmar seus inimigos. A recente prova dessa pauta ficou transparecida no encontro em que o Ministro das Relações Exteriores de Israel, Avigdor Lieberman, teve com o presidente Lula e o chanceler Celso Amorim. Ele pedia a intervenção de Lula para que o Irã não avance nas pesquisas com urânio e tenha em mãos a bomba atômica. Lieberman pede que Lula assuma a liderança para 'negociar a paz' no Oriente Médio e, consequentemente, garanta a Israel a supremacia da região. Nenhuma decisão foi tomada ainda.

Alguns críticos apontam que essa decisão do governo israelense pode aumentar ainda mais a tensão entre os estados árabes e judaicos. Pegando carona nesse argumento, Netanyahu pretende fazer com que prevaleça sua imagem de autoridade em Israel e acaba assumindo uma posição tão nacionalista, que chega a ser autoritária. Assim como o Grande Irmão da Inglaterra Socialista de Orwell, o primeiro-ministro quer construir a seu bem querer um estado único, central, totalitário. E acaba desempenhando o mesmo papel de Mao Tsé-Tung na Revolução Cultural Chinesa -- moldar a história didática do país empregando termos positivistas para descrever o maoísmo.

Está longe de ser um comunismo chinês, que massacrou milhares de dissidentes no período de 1948-1970. Entretanto, Netanyahu acaba de subir o primeiro degrau para a dissolução da liberdade religiosa e interpretativa do país que assumiu há pouco tempo. É a tentativa de construir um amor à pátria, querendo regar sua história de feitos heroicos que inexistem.

Bem dizem que a educação é o pilar essencial para a construção de uma sociedade cívica. Maqueá-la, pode trazer consequências indesculpáveis na cabeça das crianças que lerem a tomada de Israel como um 'ato necessário, heroico e divino'. Provavelmente, não evitará que indagações como essa se tornem frequentes: "Sim, pai, mas como eles permaneceram na região, se já tinha habitantes que ocupavam essas terras?".

Pro pai explicar, vai ser mais uma longa "E"stória.

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2 Atemporalizados:

Márcia W. disse...

"rip this joint" para desestressar?
Para falar dessa questão do oriente médio só com "êêê fumacê..."?!?

Tiago Ferreira da Silva disse...

Márcia,

Lembrei do som perfeito para esse caos no Oriente Médio: "War For Territory", do Sepultura!

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