quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Sam Phillips, Ike Turner e as origens do rock


Ike Turner e Sam Phillips

Dizer que a música não está atrelada à fatos sociais históricos é um tremendo equívoco. Antes do rock ser rock, ele era blues há muito tempo. Um dos que mais contribuíram para essa transição foi o produtor musical Sam Phillips. Ele teve uma importante integração com a música negra antes de fundar a lendária Sun Records, em 1952, gravadora que revelou o talento de Elvis Presley - podado por Phillips, é claro.

Antes de se tornar uma das maiores enciclopédias musicais, Phillips trabalhou em velórios e captou o sentimento das pessoas, percebeu a importância de saber como se aproximar delas. Por volta do ano 1950, conheceu B.B. King e gravou algumas demos. Mas foi em 1951 que ele percebeu como sua carreira de produtor musical tinha um futuro esplêndido: conheceu o músico Ike Turner e Jackie Brenston, e gravou um dos maiores hits soul do ano, "Rocket 88".

Para captar toda essa musicalidade e atingir o status de gênio, Phillips conviveu com os negros numa época endêmica de discriminação racial. Escutava sua música, palpitava, percebia a energia 'black'... Foi exatamente isso que ele trouxe para o rock'n roll de Elvis Presley: a transferência da fisiologia musical dos negros, aquele swing, para os brancos.

A seguir, reproduzo um diálogo entre Sam Phillips e o músico Ike Turner, retirados de "The Blues", uma série de documentários que narra um pouco da história do movimento musical e traz depoimentos, shows, conversas na estrada com personagens que realmente marcaram o gênero. O diálogo foi extraído do terceiro filme dessa série, "The Road To Memphis".

Este diálogo mostra como o blues deu origem ao rock através da música negra. Quem melhor captou essa essência foi Sam Phillips. Mas, para conseguir fazer com que um branco cantasse como negro, ele produziu e conviveu com muitos grupos negros, músicos de primeira como o próprio B.B., Howlin' Wolf e Jackie Brenston. Ele expandiu essa essência negra produzindo som para músicos da estirpe de Johnny Cash, Jerry Lee Lewis, Roy Orbinson...

Segue o diálogo:

Ike Turner: Se lembra de como nos conhecemos? Quando nos encontramos?

Sam Phillips: Refresque minha memória, não estou muito seguro de lembrar.

I.T.: Vi o B.B.(King), que só conhecia por seu nome, Riley. Não sabia quem era B.B. nem quem tinha o contratado. Ele tocava no Chambers, Mississipi, tinha escutado minha banda e disse: "por que você não grava?" Eu disse que não sabia como e ele falou que tinha um cara em Memphis chamado Sam Phillips. "Farei com que chamem ele e vocês irão conversar". Na segunda pela manhã ele me chamou...

I.T.: Naquela época, chamávamos nossos discos de 'race records'.

S.P.: Certo.

I.T.: Nas rádios brancas não ficavam. Então você teve a ideia de pegar uns moços brancos para que cantassem música negra e isso foi o passo inicial para o rock'n roll.

S.P.: Acredito que o que mais criticavam é que os negros não eram iguais aos brancos. Eu conheci a todos e não vi nenhum racista - nenhum! - e essa gente não entendia o que eu fazia com uma banda de negros.

I.T.: hahahahahahaha (ri Ike, excitado de alegria).

S.P.: É o que aconteceu. Eu trabalhei com os maiores mas o resto me dizia: "Bem, ontem não deve ter tido nenhuma sessão de gravação. Se não foi assim, então põe desodorante". Era algo cruel, realmente cruel, mas vou te dizer uma coisa: se tivesse respondido, eu teria me posto na altura deles. Apenas segui fazendo minhas coisas. Estava acostumado a desafiar a mim mesmo e teria que fazer algo realmente bom e que, ao mesmo tempo, possivelmente tenha um efeito duradouro sobre aquilo que as pessoas pensam uma das outras. Isto é fato.

I.T.: Já disse numa entrevista a seu respeito que nunca tinha sentido em você, quando o vi pela primeira vez, jamais me senti pré-julgado. Você não me fez sentir negro ou angustiado; ou me fez sentir obrigado a sentar lá ou entrar pela porta dos fundos. Quando fui no Peabody, fiquei no carro por três horas. Nunca me senti assim nessa casa (Memphis, onde ficava o antigo estúdio de Sam Phillips, a Chess Records), nem uma vez. Quem disse o contrário está mentindo. Aqui eu nunca me senti assim. Posso afirmar com convicção: aqui não existe isso.

S.P.: Nada teria sido possível se tomasse essa atitude. Suponho que tenho um dom para trabalhar noite e dia e para permanecer tanto tempo neste negócio (da música) para demonstrar que era absolutamente necessário que alguns brancos começassem a fazer coisas não para soar como caricaturas, ou alguma cópia, mas lhe trazendo algum 'feeeling'; e eu sabia que alguns brancos do sul como Elvis Presley - não havia negros mais pobres do que ele.

I.T.: Tudo isso é o estilo negro.

S.P.: Claro. A maioria do country do sul...

I.T.: Não, não. Você acabou de dizer que não copiavam o estilo negro. Não vejo outra coisa, inclusive agora.

S.P.: Quando digo copiar, me refiro a tentar imitar. Eles usaram o 'feeling' porque sofreram as mesmas coisas, não no mesmo nível que os negros, mas não copiaram nada. O que eles fizeram foi tomá-lo emprestado.

I.T.: hahahaha! Você é quem diz!

S.P.: Espera um momento. Não é exatamente isso. Não é uma comemoração aceitar por completo o que vocês faziam.

I.T.: Sim, mas os negros não podiam pôr seus discos nas rádios brancas. Você podia. Você colocou.

Agora, me diga: por que o rock atualmente se transformou num movimento praticamente branco, se ele veio de uma essência negra?


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2 Atemporalizados:

Marcelo Mayer disse...

muito bom rapaz! agora lhe pergunto: pq um negro com ma guita é blues e um branco com uma guita é rock? rs

agora, a maria da penha que me perdoe, mas a Tina Turner era boa quando apanhava desse moço ai. e era rock and roll e sou puro! sm, adoro piadas irônicas

belo texto cara

abraços!

Tiago Ferreira da Silva disse...

Salve Marcelo,

Desculpe a demora pelo comentário. Esse lance de negro tocar blues foi muito antes do rock se tornar o principal ritmo pop. É que o blues realmente tem a ver com o isolamento dos negros escravos que compunham quando conseguiam passar algum tempo fora das lavouras de Mississipi ou das tarefas obrigatórias e Chicago.

Como disse o pioneiro Son House: "É uma canção sentimental, mas de amor". Entretanto, associar o blues aos negros, por mais que seja um grande purismo, é um ritmo que servia de fugacidade para as atrocidades discriminatórias dos brancos na época.

Tanto que, quando descobriam que eles tocavam, no início do século XX, eles os castigavam severamente.

Só depois que a música deles passou a ser valorizada e servir meio que como 'suporte' para a música popular atual. Como sabe, o rock vem do blues.

Credito bastante essa transição a Sam Phillips, que captou essa energia e tentou moldar Elvis Presley à imagem e semelhança de um negro. O resultado: o cara é considerado o rei do rock.

Mas, quem disse que branco não toca blues? Por mais que tenha se 'eletrificado', não deixou de manter aquele ritmo lento e incisivo de outrora. Eric Clapton e Jeff Beck podem servir de exemplo.

Os Rolling Stones, são absolutamente blues. Cata os melhores álbuns dele e compara: "Exile On Main Street" é blues em sua maioria, "Sticky Fingers" também... fora o Bob Dylan, que resgatou o sentimento campestre e transferiu suas ideias para a música, com todo o apoio da The Band.

Pode persistir um certo purismo com o blues. Mas é um purismo que é totalmente compreensível.

Obrigado pelo comentário.

Abraços!

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