quinta-feira, 19 de março de 2009

09. A estrela definitiva do rock´n roll

Foto: Annie Leibovitz


PUNK ROCK - PATTI SMITH: HORSES (1975)

Nunca literatura e poesia estiveram tão intrínsecas ao punk. Além de resgatar a valorização poética iniciada por The Doors no controvertido movimento Patti Smith foi, sem dúvidas, responsável pela consolidação da iconoclastia sobre a musicalidade. Mas a semelhança à banda de Jim Morrison fica apenas na referência, pois a fórmula é totalmente diferente.

Já conceituada no cenário underground de Nova York por recitar poesias marcadas pela influência de Arthur Rimbaud e William B
urroughs, tornou-se desnecessária a preocupação em arrumar um estúdio para gravar Horses, em novembro de 1975. O achado foi o Electric Ladyland, antigo reduto do falecido Jimi Hendrix.

É um trabalho absolutamente autoral e denso, composto por: Patti Smith (vocais e guitarra), Lenny Kaye (guitarra, baixo e vocal), Ivan Kral (baixo, guitarra e vocal), Richard Sohl (teclado) e Jay Dee Daugherty (bateria). Rimbaud e Burroughs são os fios condutores para a formação intelectual de Patti, que gira em torno de sua desconcertada vida pessoal; dos imaginários diálogos com os ídolos Bob Dylan, Brian Jones, Keith Richards e o cânone da contracultura Jim Morrison; e da referência beatnik que estava florescendo novamente naqueles tempos de rebeldia jovem. Todos esses fragmentos estão implícitos no álbum.

Em Horses, o termo bíblico 'palavra' ganha força poética para transmitir uma idiossincrasia peculiar, criando releituras ousadas sobre religião, idolatria, particularidades e desejos sociais.


A primeira faixa, "Gloria", é subdividida em três momentos distintos: o primeiro, introduz com obscuridade a imposição de uma inclinação ateísta sobre os estereótipos doutrinários da Igreja - Jesus died for somebody's sins but not mine (Jesus morreu pelos pecados dos outros, mas não o meu) e depois assume uma pegada rockabilly para comprovar uma aversão à hegemonia moral; o segundo momento trabalha uma linguagem cinematográfica criando asas para um imaginário (quiçá) espiritual, valorizando sua liberdade dogmátic
a; e no terceiro momento há uma entrega total a essa espiritualidade interiorana, desvinculada à qualquer pensamento religioso ou moral específico. Características visíveis do pensamento agnóstico.


Essa forma de pensar é reflexo de uma experiência que Patti teve com o Cristianismo. Lúcida conhecedora das características excludentes da religião na adolescência, ela viu o estopim se aproximando ao ser expulsa de um colégio interno depois de engravidar aos dezenove anos. A falta de condições de garantir uma vida saudável à criança levou a cantora a entregá-la involuntariamente a uma instituição de caridade.

"Free Money" identifica com o ponto de vista do cidadão médio preocupado em pagar as contas diárias, relatando um famigerado sonho de ganhar na loteria livre de qualquer culpa - e fazer dessa fortuna vinda do além um verdadeiro suprimento de todas as necessidades, sugerindo um desfrute dos arquétipos prazerosos que raramente fazem parte do cotidiano social. E que só o dinheiro pode proporcionar.

Já as faixas "Break It Up", "Kimberly" e "Elegy" são reverências de forte carga poética para algumas personalidades que transfiguraram o ideal emblemático de Patti Smith: Morrison, Hendrix (talvez pelo agradecimento à gravação do álbum) e sua irmã mais nova Kimberly, com seus olhos brilhantes de criança que serviam de refúgio a uma realidade decadente. Sua irmã significava a mais pura transmissão de positivismo apenas por sua existência. Também simbolizou o mais puro dos lirismos de Horses.

"
Land" remonta ao comprometimento da vida de Rimbaud com sua obra, narrando a história de um rapaz chamado Johnny que está a procura de descansar sua consciência em um lugar de infinitas possibilidades, onde a moral vigente não limite seus devaneios. Na verdade, ele está à beira da morte e imagina como seria o outro caminho a seguir. Talvez esse seja um dos poucos questionamentos misteriosos que levam o ser humano a recriar sua própria visão de mundo mesmo que siga alguma doutrina rígida e coletivizada. Porque a imaginação é algo único, ninguém pensa por ninguém.

Por mais que a 'palavra' seja marca registrada de Horses, Patti Smith também criou um legado de admiradores graças a sua performance nos palcos. A intensidade com suas letras era tão demasiada que a interpretação das canções, maduras o suficiente pela experiência no teatro e nos saraus, atingiam uma aura unânime. "Apresentação física numa performance é mais importante do que o que você está dizendo. Qualidade dá bom resultado, é claro, mas se a sua qualidade intelectual é alta, seu amor pela plateia é evidente, e você tem uma forte presença física, pode fazer qualquer coisa impunemente", pontuou Patti, que viu o futuro do rock após conferir a presença de palco de um Mick Jagger desvencilhado de suas condições físicas.

Um trabalho estupendo que deve fazer parte de qualquer Top 100 dos álbuns mais clássicos e emblemáticos que ajudaram a escrever a história do rock. (Na lista dos maiores álbuns pop da revista americana Rolling Stone, Horses ocupa a 44ª posição.)

Pois é, Patti. Não era você que queria ser uma estrela do rock?

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