sábado, 16 de maio de 2009

Aquele fatídico 16 de maio...

- Quem vai escutar esta merda? - reclamava Mike nos estúdios da Capitol.

- Os ouvidos de um cachorro? - titubeou Brian. Tempos depois, ele soltaria esta:

- Ironicamente, a barba de Mike foi a inspiração para o nome do álbum.

Em outros arredores, uma outra discussão vigorava:

- Como você vai conseguir gravar um álbum com apenas um single pronto? - questionava Johnston

- Relaxa, tudo está na minha mente - Bob respondia tranquilamente.

Daí resultou-se o primeiro álbum duplo da história da música pop, gravado em duas sessões triplas na Columbia Records, em Nashville (EUA).

O dia fatídico foi há exatamente 43 anos atrás. Para o lançamento de ambos, não havia pressão ou necessidade extrema de atingir o imenso sucesso comercial. Porém, marcaram o simbólico intimismo de cada uma de suas cabeças pensantes.

CALIFÓRNIA - Brian Wilson, por mais que simulasse descompromisso total com o lançamento de seu novo trabalho, tinha uma fissura perpétua em sua cabeça: superar a maestria do novo salto artístico dado pelos Beatles.

NASHVILLE - Bob Dylan, exausto de uma infindável turnê, via-se obrigado a apagar o rótulo que ele mais indesejava de sua carreira: ser um revolucionário. Para tanto, tinha que repensar uma nova trajetória possível. Highway 61 Revisited, seu trabalho anterior, tinha rompido com o purismo do folk que serviu de influência para sua música. Depois de muita aversão do público à nova sonoridade que ele instaurou no ritmo musical, incluindo guitarras elétricas, temáticas atuais e reflexivas e influenciado uma nova geração com suas letras bem trabalhadas, ganhou aceitação unânime com sua exploração. "Havia um monte de cantores melhores e de músicos melhores naqueles lugares, mas não havia ninguém parecido em gênero ao que eu estava fazendo", relatou Bob em seu livro de anotações pessoais Crônicas Vol.1.

Mas o objetivo de Bob não era bem esse. Ele queria transpor uma reflexão de sua música sob o prisma de sua capacidade autoral. Não queria mudar o rumo das coisas. E foi então que, naquele 16 de maio, ele conseguiu mudar o curso de sua carreira. "Foi o mais perto que consegui chegar aos sons de minha mente... aquela finura, aquele som selvagem", declarou o compositor doze anos depois do lançamento de Blonde On Blonde, o trabalho em questão

CALIFÓRNIA - Seguindo os passos por si só, Brian Wilson arquitetou todo o trabalho de uma maneira bem ponderada. Deu ouvidos ao seu subconsciente e se estimulou a fazer uma obra que refletisse o som dos seus pensamentos. É como se aqueles arranjos que complementam as canções fossem partes de uma essência indissociável da imaginação dos fatos que permeiam a mente. Quando Brian nomeou o trabalho de Pet Sounds quis que, de alguma forma, todos pudessem captar a mensagem. E se inspirou nos animais.

Não havia interesse algum de mudar os rumos de sua música. A banda de Brian, os Beach Boys, se destacaram com suas letras inocentes e pueris, falando de praias, garotas e desejos adolescentes. Entretanto, Brian estava atento às benfazejas experimentações de algumas bandas comerciais, principalmente com o lançamento de Rubber Soul, dos Beatles, que explorava uma musicalidade mais densa, tocante e inteligente.

Então, Brian refletiu: como expor um amadurecimento sonoro sem perder a unicidade dos Beach Boys? Ora, mexendo com os sentidos. Pet Sounds é uma extensa visão sobre relacionamentos, pautada pela ingenuidade da juventude sessentista. "Woudn't it be nice if we get married?" ("Não seria legal se a gente se casasse?"), da faixa introdutória do álbum, é um belo exemplo. Mas essa é uma análise superficial pois, prestando atenção nas densas sonoridades e no curso das letras, vê-se uma maturidade dos temas decorrentes.




NASHVILLE - Blonde On Blonde provou de uma vez por todas que Bob não estava pra revolução. Conseguiu transformar toda aquela antiga veneração de seu gosto pela mudança para uma veneração às suas habilidades de compor canções autorais e interpretar de maneira singular as muitas caras que a vida nos traz.

Depois de trazer para a cultura citadina as referências estéticas e influentes da zona rural (o tal folk puritano que se via decadente no final da década de 50 por suas temáticas arcaicas e ultrapassadas), e moldar toda a cena incorporando as transformações que a cultura pop estava trazendo, Bob trabalhou a fundo as possibilidades que pretendia munir suas canções e chamou o guitarrista Robbie Robertson e o organista Al Kooper (ele mesmo!) para a banda que o acompanhava.


Daí resultou-se na junção de influências sonoras do blues ,do country e das agruras indeléveis do rock'n roll. Toda a velocidade da composição de Bob antes do término do álbum foi o retrato da frequente ligação do compositor com as anfetaminas. Isso reforça a hipótese da aproximação de Bob Dylan à subjetividade, deixando discursos vazios no ar e seguindo a sequência ilógica de um raciocínio demasiado complexo para interpretar a realidade que o rondava. Não há respostas. Há possibilidades, caminhos. "Rainy Day Women #12 & 35" trabalha uma dualidade distinta com a palavra 'stoned', em forma de marchinha: a necessidade de ficar chapado e o irrefutável destino de ser traído por uma mulher.




"Visions Of Johanna" é um leque de pensamentos fragmentados, como se ele invadisse a mente de uma mullher e navegasse em suas frugalidades mais íntimas e pueris. "Just Like A Woman" aprofunda nas características mais apreciativas das mulheres, mas também põe em xeque fragilidades inescapáveis: "She aches just like a woman / but she breaks just like a little girl" ("Ela se machuca como uma mulher / mas rompe tudo como se fosse uma garotinha). Além, é claro, da clássica "I Want You", "4th Time Around", uma das composições mais belas do cantor e "Obviously 5 Believers" com a influência do blues de Muddy Waters na guitarra de Robertson.



CALIFÓRNIA - Para compor Pet Sounds, Wilson partiu da premissa de que a expansão das póssibilidades deveria ser crucial e tinha que se mostrar explícita. Sozinho no percalço de sua genialidade, ele trabalhou as várias tonalidades de seus vocais e uniu em faixas como "God Only Knows" e "I Know There's An Answer". Incluiu na sonoridade desde latas de Coca-Cola, buzinas de bicicletas e guitarras combinadas com acordes orquestrais até latidos de cachorros, truques vocais, flautas e órgãos por trás de um 'staff' que preenche uma lista de mais de 30 músicos.

É então que se vê perfeições como "I'm Waiting For The Day", "That's Not Me" e "Don't Talk (Put Your head On My Shoulder)". Muitas indagações surgem quando novatos escutam este álbum, tal qual: "O que há de revolucionário aqui?" E o que se pode responder, é: a superação de uma legitimada fórmula que o rock estava se limitando. Não há virtuosismo técnico, nem canções de extrema profundidade, mas uma estética substancial e abstrata que expande os possíveis entendimentos das temáticas tratadas. É um álbum que explora os sentimentos de um relacionamento dando um desfecho um tanto pessimista com "Caroline, No", faixa que faz uma veneração às mudanças psicológicas e emocionais de um garoto diante da partida da mulher de sua vida. Nela, entram as imaginárias sonoridades que um animal ouviria com atenção, como os latidos do cachorro de Brian complementando a bela canção.

O impacto do lançamento de Pet Sounds para os músicos e críticos foi imenso, tamanha ousadia e ponderação. Pode ser considerado o primeiro álbum conceitual por sua linguagem que beira os sentidos metafísicos: certamente o álbum ingênuo mais maduro já feito. E os Beatles, vendo sua obra experimental qualitativamente superada pela maestria de Brian Wilson e os Beach Boys, tentou responder com o lançamento de Sgt. Pepper's, dividindo de uma vez por todas a opinião dos críticos musicais.




Por mais que seminais publicações considerem o álbum dos Fab Four o mais importante da cultura pop, Pet Sounds se destaca pelo intimismo discreto que deixa transbordar. Óbvio que, é como a própria canção "I Just Wasn't Made For These Times" ("Eu Não Fiz Apenas Para Esses Tempos") deixa explícito: "Each time things start to happen again / I think I got something good goin' for myself" ("A cada tempo as coisas começam a acontecer novamente / Eu acho que fiz algo bom por mim mesmo). Ou seja, esta fórmula que os Beach Boys explorou, que influenciou bandas indie e eruditas do porte de Radiohead, Burt Bacharach, Weezer e os próprios Beatles, não é mais tão eficaz nos dias de hoje. Todas as possíveis ramificações da subjetividade de Brian foram pegas no ar pela explosão da psicodelia, os amores incertos de grupos mórbidos e as inovações sonoras das bandas experimentais das décadas de 60 a 90. E olha que naquela época não havia engenhosidades como sintetizadores, que infectaram a música com a produção massiva de álbuns cada vez mais eletrônicos.




Ambos os álbuns são imprescindíveis para entender o que a cultura pop se tornou nos dias de hoje. Em qualquer lista que fizerem, estes dois trabalhos estarão nos topos das venerações tanto pela qualidade atingida quanto pela importância histórica. Blonde On Blonde e Pet Sounds, além de provarem a quebra de rupturas no cenário musical, comprovam a necessidade de celebrar uma data que marcou de vez a audição global: 16 de maio de 1966, o dia em que o rock'n roll ganhou dois de seus mais belos presentes. Dois clássicos obrigatórios em qualquer discografia.



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2 Atemporalizados:

Márcia W. disse...

Tiago,
e você postou no dia do aniversário do Robert Fripp !!!

Tiago Ferreira da Silva disse...

Márcia,

Por essa eu passei batido. De alguma forma eu tenho que rememorar o único dos grandes guitarristas que tocam sentado.
Colocarei no widget um vídeo deste grande mestre!

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