Com uma guitarra na mão e inúmeras ideias na cabeça, Pete Townshend moldou todo o cenário do rock. Depois de "My Generation" (que já abordei aqui), sua inconstância se tornaria presente para a elaboração de uma estética que ampliou as ramificações da música pop.

Antes disso, muitas de suas guitarras tiveram que ser sacrificadas; as cáusticas performances da banda durante a execução de "My Generation" estavam começando a irritar o epicentro do Who. Roger Daltrey, Keith Moon e John Entwhistle ainda se empolgavam com o ritmo contagiante de fúria roqueira diante de um público sedento por apresentações memoráveis. Entretanto, Townshend se sentia diminuído artisticamente por obrigar a si mesmo a continuar repetindo aquilo que inicou com tanta ênfase.

Ele não admirava sua virtuosidade no instrumento. "Se eu pareço um grande guitarrista simplesmente é uma particularidade minha: soar como um grande guitarrista que não sou", declarou Townshend a Jann Wenner. Ele sempre preferiu aperfeiçoar suas habilidades como compositor. E se tornou uma das principais engrenagens do rock.

The Who Sell Out, lançado em 1967, foi o primeiro dos grandes experimentos da banda. O álbum simula a transmissão de uma rádio pirata, em contraponto aos argumentos de parte da imprensa e de alguns fãs que reclamavam que o The Who estaria se vendendo. Os arranjos foram trabalhados mais densamente, com a inserção de vocais de fundo que enalteciam o poder lírico das canções.

Mas foi em 1969, exatamente há 40 anos atrás, que seria lançado o álbum que fincou de vez a capacidade de uma produção literária e musical ao mesmo tempo. Tommy marcaria ainda mais a onipresença do The Who na importância da música. Foi o primeiro trabalho de opera rock. Seguia com faixas que contavam a história de Tommy, um garoto que presenciou através de um espelho o assassinato do amante de sua mãe pelo próprio pai, renomado militar que acabara de voltar da Primeira Guerra Mundial.

É uma história que vislumbra os aspectos metafísicos do jovem garoto. Em "Amazing Journey", os vocais de Daltrey procuram um sentido de identificação, mesmo depois do garoto ficar surdo, cego e mudo por pressão dos pais. "Sickness will surely take the mind/Where minds can't usually go/Come on the amazing journey/And learn all you should know" (A doença certamente dominará a mente/para onde as mentes não costumam ir/Venha incrível viagem/e ensine tudo o que [o garoto] deveria saber).

O álbum discorre toda a dor e a ingenuidade do garoto de 10 anos que perdeu todos os sentidos. Daltrey copartilha e dramatiza a dor de Tommy em diversos momentos, como em "Christmas", onde ele situa o desconhecimento do garoto da comemoração natalina. Como observador, o vocal tenta compartilhar a data causando mais dor ao mobilizá-lo: "Tommy, can you hear me?" ("Tommy, pode me escutar?")

Para a sonoridade do álbum, o mesmo cuidado nos arranjos de The Who Sell Out foram mantidos para explorar os sentimentos auditivos mais intensos que o trabalho exigia. Além dos convencionais guitarra/baixo/bateria, compunham o álbum órgãos, trompetes, pianos e diversos truques de vozes.

Em "Pinball Wizard", o garoto exibe suas habilidades intuitivas e mostra ser capaz de cura, em um rock'n roll envolvente que rememora os clássicos tempos de euforia de My Generation.
{Abaixo, a banda interpreta o hit "Pinball Wizard" com participação especial de Elton John nos vocais e teclados}





Um doutor examina o garoto e conclui que ele oculta um sentimento interior que repele sua capacidade de recuperar os sentidos. Ele ouve, vê e fala, mas tem que se libertar de um aprisionamento existencial. O pai sugere que ele volte ao espelho, mas a mãe o quebra tentando impedir que o garoto um dia espalhe o ocorrido em 1921.

Através de sua experiência, Tommy tenta mostrar o caminho da salvação para os necessitados assumindo um papel parecido ao "Messias na Terra". "I'm Free" explora este sentimento convidativo do rapaz à procura de seguidores. Indo a fundo nessa trajetória, Tommy tenta cativar pessoas comuns a trilharem seus passos. "Come to this house/Be one of us/Make this your house" (Venha para esta casa/Seja um de nós/Faça dela a sua casa), chama, como se fosse anfitrião do paraíso.

Porém, a convite de um tio, encontra hóspedes que se recusam a aceitar sua bondade e contestam o andamento dos fatos. Com bombásticas declarações, eles confundem o rapaz. Aí então que a última faixa, "We're Not Gonna Take It", revela que Tommy foi explorado pelos seus parentes graças aos seus distúrbios psicológicos. Então, a letra retoma a "Go To The Mirror!", quando o garoto começa a retomar os sentidos, causando uma dúbia interpretação à ópera.

Tommy significou um passo avante do The Who e do próprio rock ao estrelato do lirismo. Provou que a geração de Townshend e companhia estava evoluindo para romper ainda mais as barreiras da música popular. Sua influência se estendeu ao lançamento de The Rise and Fall Of Ziggy Stardust and The Spiders From Mars, em 1972, do camaleão David Bowie e criou uma linguagem versátil para a composição musical.

E você acha que o The Who se inquietou? O melhor trabalho ainda estaria por vir em 1971, quando Townshend expôs seu 'arquivo de preciosidades' e lançou Who's Next, o melhor álbum da banda. Mas este vai ficar pra depois. Enquanto isso, prepare os ouvidos e ouça a primeira faixa, "Baba O'riley".



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2 Atemporalizados:

Márcia W. disse...

Tiago tá tudo muito bom, tá tudo muito bem, mas quando vi Superfly minha atenção não conseguiu entrar na onda do Who...
Tried to get ooooooveeeer
PS: Amanhã tem um Stormy Monday prá você !

Tiago Ferreira da Silva disse...

hauhauuaha....
Compreendo seu desvio de atenção. Principalmente porque Mayfield é Mayfield, não há vocais que igualem!

Depois vou dar uma olhada lá, hein!

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