segunda-feira, 22 de junho de 2009

A relação do brasileiro com o negro

O vírus do preconceito ainda não saiu de moda no Brasil.


Em um exercício digno de jornalismo, Eliane Brum discorreu sobre o preconceito que a moçambicana Lucrécia Paco sofreu em um shopping de São Paulo - informação coletada através do Blog do Sakamoto.

No aniversário de 121 anos da assinatura da Lei Áurea e 509 anos de idade depois, o Brasil ainda não abandonou as raízes preconceituosas contra os negros.

O SP Fashion Week, evento onde sobressai a futilidade não só de alguns membros da organização (como Glória Coelho e seu comentário infeliz sobre o papel dos negros em eventos deste porte), pode ser considerado exemplo prático desta perpétua praga brasileira: enquanto inúmeros jovens brancos exibem seus corpos nas passarelas, negros manifestantes põem a cara pra bater nas portas do evento, clamando por igualdade racial. Enquanto isso, estilistas botam dois ou três negros para cada 20 brancos.

No Brasil, já virou mania associar o negro ao trabalho servil e à passividade. Isto é histórico.

Quando os portugueses embarcaram em terras brasileiras e trouxeram escravos ilegais para trabalharem forçadamente, estavam colocando em prática a egocêntrica e equivocada ideia de que os europeus eram o centro do mundo e gozavam de inteligência e capacidades superiores aos negros. Vejam o que foi o apartheid na África do Sul: uma clara política de segregação de raças em que a maioria negra era submetida a aceitar as imposições de uma minoria exploradora e atroz.

O próprio Gilberto Freyre já assinalava em "Casa Grande e Senzala" que o negro, enquanto escravo, já fazia parte de uma rotulação social demagoga para as gerações de senhores de engenho que surgiam. Quando as crianças brancas nasciam, aprendiam que o 'negrinho' era como um objeto de estimação mecanizado que deve estar sempre disposto à subserviência. Por exemplo, quando brincavam de cavalinho, os patrõezinhos subiam na criança negra, filha de escravos da casa, batiam neles simulando cavalgarem em um animal (irracional) de verdade e brincavam de exercer a tirania que massacrou os negros africanos que involuntariamente faziam parte do Brasil.

Contestar esse aprendizado execrável foi uma batalha que durou mais de 300 anos - na teoria, a Lei Áurea deveria acabar com tamanha pungência. Mas, na prática, não foi bem isso que aconteceu no último país a abolir a escravidão.

O domínio sobre os negros pode ter findado naquele momento, mas os brancos negligenciaram a necessidade negra de fazer parte do giro econômico no Brasil. Então, o que aconteceu: não mudou praticamente nada. A única diferença é que eles eram remunerados (indecentemente) para serem novamente explorados.

Com o crescimento industrial do Brasil, mais mão-de-obra era preciso recrutar para jogar o jogo do mercado. A partir de então, o explorador descobre que pode lucrar ainda mais com os empregados e impõem uma carga horária que ultrapassa os limites da fadiga do ser humano. Tudo em torno da falsa propaganda de estarem incluindo os negros na engrenagem econômica.

Muita gente (não só negros) migraram para as grandes cidades em busca de melhores condições de vida. Porém, recebiam ínfimos salários, que supriam apenas o indispensável para a sobrevivência.

Sem o piso necessário para se ter uma vida digna, os negros, antes explicitamente taxados de inferiores pelos brancos colonizadores, se viram obrigados a ocupar os infaustos lugares da geografia citadina: as favelas.

Como uma coisa leva a outra, a questão social começou a ser o novo fator discriminatório no Brasil. E quem, neste momento, residia nessa abstrata sarjeta?(Dou-te um doce se advinhar...)

A generalidade sempre esteve enraizada na cultura brasileira, que não tem mania de ler, de pensar de maneira racional sobre os assuntos que fazem parte de suas respectivas realidades, de elevar os debates inseridos em sua sociedade para os patamares intelectuais. Então, quando o brasileiro médio e desinformado generaliza sobre o negro, é: ele é pobre, logo não tem capacidade de exercer cargos importantes, é irresponsável, violento e por aí vai.

Nem mesmo os meios intelectuais se privaram dessa generalidade. O romantismo brasileiro do século XIX enaltecia a figura do índio brasileiro como forma de preservar a identidade dos primeiros habitantes desta terra. Eles centralizavam a figura indígena porque esse povo viveu alheio à colonização portuguesa e mantiveram seus costumes. O fator preponderante para esse culto ao indianismo foi a dura resistência que eles conservaram diante da escravização dos senhores de engenho. Não admitiam ser explorados pelo 'homem branco' e não se submeteram ao trabalho forçado - óbvio que, para isso, milhares de índios tiveram que ser dizimados.

Já o negro era ignorado por romantistas como José de Alencar e Gonçalves Dias. Para eles, que eram burgueses e pseudo-revoltados com a hipocrisia social, o negro não tinha destaque na cultura brasileira porque representava um certo 'servilismo' à colonização europeia. Eram vistos como conformados. De alguma forma, tal visão influenciou o estereotipado repúdio ao negro, já que apenas os ricos e burgueses tinham acesso à educação e conseguiam ler os livros publicados - noutras palavras, tudo girava em torno da elite.

A consolidação do capitalismo na esfera global, disseminada com fervor após a trágica experiência da Segunda Guerra Mundial, reforçou a separação do rico contra o pobre. A inserção do negro nos patamares mais elevados da sociedade só teve maior significado bem recentemente no Brasil - Joaquim Benedito Barbosa Gomes, primeiro negro no país a ocupar uma vaga no Supremo Tribunal Federal, é um exemplo de vitória recente.



Casos como de Lucrécia Paco comprovam que nós, brasileiros e brancos, ainda não rompemos com a mais nociva de nossas heranças culturais: o preconceito social e, consequentemente, de raça.

O que muda é que esse preconceito está mais camuflado, o que não o torna invisível. A imprensa, uma das principais vilãs na difusão de atrocidades que enfatizam essa problemática (como dar margem a um estudo que diz que os negros são cientificamente inferiores aos brancos), quer manter o sistema conservador como é através da ótica dos donos dos conglomerados.

Pesa, ainda, uma falsa ideia de que o preconceito é algo batido e resolvido no Brasil. A desculpa de que temos uma diversidade sem precedentes não apaga a realidade de vivenciarmos, diariamente, aquela madame no metrô que vê um lugar vazio ao lado de um negro e permanece de pé por não querer 'se misturar'; ou a intolerância de um gerente de vendas com um cliente negro que vai reivindicar seus direitos; ou, ainda, o tratamento diferenciado de um segurança de banco diante de um cliente negro.

Portanto, sublinho as palavras de Lula quando diz que a crise que vivemos é algo de "gente branca de olhos azuis". Não adianta a imprensa tentar contradizer o argumento do presidente, apontando que um negro (dentre vários brancos) também é culpado pela crise. Não vai mudar o contexto da história: os brancos estão, socialmente, ocupando melhores lugares que os negros.

Infelizmente, se hoje o negro ainda é tido como inferior nas declarações estapafúrdias de uma sociedade que ignora seu passado, é porque ainda permanece nas raízes o vilipêndio, a contradição à diversidade que o Brasil tanto pensa estar associado.

Triste dizer, mas eu tenho vergonha do povo brasileiro que pensa desta forma.

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"Makes no difference what group I´m in" (Não faz diferença em que raça estou inserida). Ouça "Everyday People", do Sly and Family Stone, que bem poderia ser a realidade mundial. Uma pena não ser... Entretanto, fica a utopia.

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2 Atemporalizados:

Márcia W. disse...

Tiago,
E eu, que vivo na terra dos invetores do apartheid? A idéia original era a segregação pela religião, como na Holanda, mas chegou na África, mais alto do que o teu Deus falava a tua cor de pele.

Tiago Ferreira da Silva disse...

Márcia W.,

É triste achar que existiu um suposto 'iluminismo branco' que atropelou os contrários a essa ideia dizimando aqueles que para eles eram a escória e a desgraça do mundo em que viviam.

Doi mais ainda ver que os resquícios desse pensamento ainda prevalecem. Não sei como funciona aí na Holanda, mas aqui a coisa é feia sem parecer ser feia - parece que é normal brincadeiras indevidas com os negros.

Pra vc ter uma ideia, ouvi gente reclamando que não se tem mais boas piadas de negros por conta da penalidade contra ao racismo. Isso lá é algo bom de se ouvir??

Lamentável....

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