O rock sempre foi um ritmo decadente. Se antes ele era um ritmo diluído das raízes do blues, hoje ele é diluído ao máximo dessa vertente e influenciado por mixagens eletrônicas que o distanciam daquilo que sempre foi o seu primor: o virtuosismo.

Aliás, o que mais encanta ao ouvir um riff de guitarra, um slap de baixo, as pratadas da bateria? Saber que tem alguém tocando elas, anarquizando o sistema com suas letras, deleitando sinceridade em suas canções apaixonantes, expondo maestria nos instrumentos em que tocam...

A presença de um ser para expelir toda essa veracidade que o ritmo roqueiro exige -- por exemplo, ter conhecimento de que tem uma pessoa para cantar, uma para tocar guitarra, uma para tocar baixo e uma para tocar bateria -- foi o que acabou com o rock enquanto ritmo musical. Ao passar dos anos ele se transfigurou numa junção de fórmulas-que-dão-certo para angariar os mais diversos tipos de ouvintes.

Daí, se sobressai a iconoclastia. Isso, a mesma iconoclastia que estragou Jim Morrison e os Doors; estragou Kurt Cobain, que quis se unir aos estragados; e estragou os Sex Pistols.

O perigo da iconoclastia é que ela deteriora o ser enquanto artista para deixar que prevaleça o ser como uma figura que deve ser reverenciada por seus declínios, excentricidades e devaneios. O resultado que se tem é o eterno culto às personalidades. E então, o ser dotado desse culto deixa a música em segundo plano, usando-a para expandir o seu público e aceitação da imprensa. E o público deixa de gostar de um artista pela sua música e passa a venerá-lo por seus escândalos e atrocidades banais. E então, a massa é quem passa a ditar as regras. Se não tiver aceitação, não tem vendagem; e se é para conquistar vendagem mudando o pouco o seu ritmo, colocando um riffzinho mais calmo numa banda de metal, acariciando de mansinho o ouvido daquele que odeia o seu som, façam-no! É isso que pedem os managers. Do contrário, sem contrato, sem chance de lançar álbum novo numa grande gravadora e sem contato para shows espetaculares.

Claro que, nem todas as bandas de rock são assim. Não vou citar nenhuma, vou deixar que o leitor pense e analise a respeito, mas é nesse ambiente que o rock sempre transitou. Aí vai o porquê:

Antes do rock ser rock, ele foi blues. E o ritmo do blues, lá no início do século XX, era uma manifestação musical de negros escravos que trabalhavam na extração de algodão no Sul dos Estados Unidos. Secretamente, eles se reuniam e cantavam canções de amores perdidos com acordes escopados, formando uma sonoridade intensa que trazia imensa sinceridade em suas letras. Nas palavras de Son House, um bluesman dos grandes: "O blues sempre foi e sempre será uma canção de amores perdidos. Os jovens me vêm com diversas separações do blues, mas ele sempre será uma canção de um homem ou uma mulher que perdeu seu amado e chora por não tê-lo de volta".

Até aí, o ritmo era focado nas letras, no lirismo das canções. Eis então que surge Robert Johnson, uma lenda da guitarra nos anos 30, e entoa clássicos da época ritmados em harmonias flamejantes. Sua curta vida de músico só o permitiu deixar um legado de 29 canções, das quais se encaixam o verdadeiro retrato da escravidão do início do século no sul dos Estados Unidos. "Hell Around On My Trail" e "Sweet Home Chicago" são algumas faixas de sua autoria. Reza a lenda que ele aprendeu a tocar guitarra com essa maestria após fazer um pacto com o demônio num cruzamento de ferrovias ao sul do Estado. Mito ou verdade, o fato é que ele era um grande músico.



E, além das canções, ficou o legado da necessidade do virtuosismo para se fazer música. Keith Richards, Eric Clapton, Chuck Berry e Steve Ray Vaughan beberam da fonte de Johnson para inspirar melancolias e ensejos, ao mesmo tempo, nos riffs e solos de suas guitarras.

Essencialmente da música negra veio o conceito de rock. Quando Sam Philips descobriu Elvis Presley, ele o orientou a cantar como os negros, sentir aquela química com a música como eles sentiam. O que resultou disso? Um ícone que é tido como o 'rei do rock' por ter tragado essas influências e exibido uma performance estrondosa diante do público e das câmeras. Une-se, ainda, o simples fato de todo esse espirituosismo estar na pele de um branco.

Depois de Elvis, Beatles e Rolling Stones seguiram seus passos naquilo que se chama de concetração da música em show business, o que significa vendagem. Com o crescente número de gravadoras enchendo os bolsos com essas personalidades artísticas, as imposições e pressões para gravarem suas músicas aumentavam exponencialmente. Aí vem a diluição do objeto artístico enquanto expressão de ideias para se tornar um objeto para conquista de massas -- vide Walter Benjamin e entenderá.

Com o passar dos anos, o rock se transformou nisso: num padrão de comportamento pseudo-rebelde calcado pelo objetivo de atrair novos públicos. Partindo desse pressuposto, o rock não é mais aquela energia atrativa, aquela corrosão de ideais anárquicos, uma expressão libertária, um lirismo apaixonante; tomou parte dessa vantagem enquanto música para vender para o grande público -- e adaptar suas canções a partir daquilo que o grande público deseja ouvir. O que diferencia é que antes se pensava em música de qualidade mesmo com os perigos do 'culto à personalidade' e o delírio dos fãs; hoje, a diluição foi tão grandiosa, que o rock que transformou em arquétipo do grande público. E virou uma verdadeira merda!


Obs: Nem todas as bandas de rock antigas e atuais transitam nesse terreno carcomido que citei no texto acima. Sempre houve e sempre haverá bandas e artistas de qualidade única, que podem ou não ser descobertos pelo grande público. Quando citei esse âmbito do rock, foi para explicar como a decadência tomou conta do ritmo. Afinal, não vivem dizendo que o rock morreu? Eu, particularmente, penso que morreu e já se enterrou há muito tempo.

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3 Atemporalizados:

Márcia W. disse...

Tiago,
saber que existe um dia do rock parece confirmar a tua teoria...
Sobre as origens, tem uma música ótima chamada "The blues had a baby and they called it rock and roll" que é ótima e...blues.
E tem um mote do Mississipi que eu a+d+o+r+o:
First you fall then you rock and roll.

Tiago Ferreira da Silva disse...

Márcia,

Nem sabia dessa música. Senão, certamente teria citado. Joguei no Google e vi que é (ou tem uma versão) do Muddy Waters, um dos mestres dos mestres!

Depois vou ver se caço um vídeo com esse som e vou postar ali do lado!

Valeu!!!

Ricardo Soares disse...

sensacional o comentário que vc deixou em meu blog sobre Ciro Megalô e Fagner...abraço

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