quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A insana honestidade do pênis, por Gay Talese



Gay Talese, às vezes, não é jornalista. Segundo os conceitos que se aprende na universidade, o jornalismo é regido por fórmulas de escrita, no qual a pirâmide invertida é a essência de uma notícia estruturada pela hierarquia da informação. Vítima de si mesmo, o jornalismo não é para poucos; é para muitos. Porém, são poucos os que conseguem transcender seu estilo textual informativo para algo agradável e prazeroso de se ler, como um romance.

Lemos jornais porque queremos nos informar; raros são os casos em que a forma em que a história é narrada nos agrada. Quando acontece, só nos domingos - e olhe lá! Talvez isso justifique porque a maioria dos leitores de jornais leem apenas 10% de todo seu conteúdo. Para ler mais, só sendo jornalista mesmo.

Gay Talese, se dependesse de jornal para viver, escreveria só aos domingos. Não são as poucas palavras difíceis nem a estrutura complexa de suas reportagens e textos que agradam, mas sua forma de abordar cada assunto, sua perspicácia em investigar todos os ângulos das temáticas e situar a informação a ponto de parecer que o leitor estava presente na hora dos acontecimentos.

Tudo isso, é claro, de uma forma simples. Essa é uma proposta do 'new journalism' americano, do qual Gay Talese é decorrente. Quer comprovar sua maestria? Então, leia o perfil para a "Esquire" que Gay Talese fez em 1965 de Frank Sinatra, sem nem ao menos conseguir entrevistá-lo. A reportagem é considerada uma das maiores belezas do jornalismo e, sem dúvida, o melhor perfil já escrito sobre Sinatra.

Estou lendo um livro dele, "A Mulher do Próximo" (1980), que revisa o conservadorismo sexual antes dos anos 1950 nos Estados Unidos até chegar na permissividade dos dias atuais, principalmente com a sociedade libertária dos anos 1960 e com a era da AIDS. Só que, para contar essa transição, Gay Talese traz personagens que servem de espelho para cada época tratada. Conta a história de Hugh Hefner, que criou a Playboy, de jovens que se masturbavam com revistas pornográficas vendidas ilegalmente e relata a violenta repressão dos conservadores reacionários que queriam proibir a vulgaridade social, no fim do século XIX. Além disso, traz exemplos de casos sexuais nos anos 60 com histórias reais, apuradas de um jeito que só Gay Talese saberia expor.

Desnecessário argumentar que o livro é fascinante. E é por isso mesmo que me senti na obrigação de trazer um trecho de sua obra, talvez o trecho considerado mais polêmico. Gay Talese discorre sobre a subserviência e a fraqueza mental que o homem está submetido à seu pênis. Graças às necessidades fisiológicas e repulsas masturbatórias, o homem reduz sua mentalidade ao nada e dá lugar ao desejo incontrolável de satisfazer as vaidades manifestadas por seu pênis.

Para explicar melhor, peço licença ao escritor americano para publicar um pequeno trecho de sua obra:

O texto erótico muitas vezes leva à masturbação, e isso era motivo suficiente para tornar controverso o romance de (D. H.) Lawrence (autor de "O amante de lady Chatterley"). Mas havia mais: por meio da personagem do guarda-caça, ele explora a sensibilidade e o distanciamento psicológico que é comum o homem sentir em relação a seu órgão genital; de fato, o pênis parece ter vontade própria, um ego maior que seu tamanho e é frequentemente constrangedor por causa de suas necessidades, seus fascínios e sua natureza imprevisível. O homem sente, às vezes, que o pênis o controla, leva-o para o mau caminho, faz que implore favores à noite cujos nomes prefere esquecer na manhã seguinte. Seja insaciável ou inseguro, o pênis exige provas constantes de sua potência, introduzindo em sua vida complicações indesejadas e repetidas rejeições. Sensível, mas capaz de recuperação rápida, igualmente disponível dia e noite com um mínimo de persuasão, ele tem se desempenhado com decisão, embora nem sempre com habilidade, por uma eternidade de séculos, sempre procurando, sentindo, expandindo-se, explorando, penetrando, pulsando, murchando e querendo mais. Sem jamais esconder seu interesse lascivo, é o orgão mais honesto do homem.

É também um símbolo da imperfeição masculina. É desequilibrado, assimétrico, pendente, frequentemente feio. Mostrá-lo em público é "exposição indecente". É muito vulnerável, mesmo quando feito de pedra: os museus estão cheios de figuras hercúleas com pênis lascados, cortados ou completamente decepados. Os únicos que sobrevivem sem danos parecem ser aqueles desproporcionalmente pequenos, criados por artistas que talvez não quisessem intimidar os órgãos menores que o normal de seus patronos. Na arte religiosa, o pênis é muitas vezes representado como uma serpente, esmagada pelos pés da Virgem Maria; desde o século XI, os padres, aderindo ao voto de celibato, têm resistido a sua tentação cobiçosa. A masturbação sempre foi considerada pecaminosa pela Igreja, e há muito tempo recomenda-se um chuveiro frio para os paroquianos solteiros como uma maneira de afogar as primeiras ebulições da ascensão da paixão.

Apesar de a força moral da tradição judaico-cristã e da justiça ter procurado purificar o pênis e restringir sua semente à instituição santificada do matrimônio, ele não é por natureza um órgão monógamo. Desconhece códigos morais, foi projetado pela natureza para o esbanjamento, adora a variedade, e nada, exceto a castração, eliminará seu pendor para a prostituição, a fornicação, o adultério ou a pornografia.

A pornografia atrai especialmente o pênis dos homens que não têm meios para pagar prostitutas ou sustentar amantes, ou que são feios ou tímidos demais para conquistar mulheres, ou ainda que estão temporariamente isolados delas (em prisões e hospitais, por exemplo), ou que desejam continuar fiéis ao casamento em todos os aspectos, exceto quando se entregam a uma fantasia orgástica com uma revista, ou quando, durante a relação sexual matrimonial, imaginam que sua esposa é outra mulher. Isso se chama "superimposição". É a forma mais comum e privada de infidelidade no mundo e sua estimulação não depende da pornografia.

Todos os dias, o pênis é vítima de visões sexuais na rua, nas lojas, nos escritórios, nos outdoors e nos comerciais da televisão; é o olhar malicioso de uma modelo que aperta a pasta de dentes, os mamilos que se imprimem na blusa de seda da recepcionista da agência de viagem, o bando de nádegas jovens em jeans apertados que sobe pela escada rolante da loja, o perfume que emana do balcão de cosméticos: almíscar feito a partir dos genitais de um animal para excitar outro.

A cidade oferece uma dança tribal de fertilidade em versão moderna, um safári sexual, e muitos homens sentem-se pressionados a provar amiúde seu instinto caçador. O pênis, muitas vezes visto como uma arma, é também um fardo, a maldição masculina. Faz de alguns homens incansáveis libertinos, voyeurs, exibicionistas, estupradores. É o que os convoca para a guerra militar e os envia, em numerosos casos, para a morte prematura. Suas seduções insanas podem levar à discórdia matrimonial, ao divórcio, à separação dos filhos, à pensão. Seu desregramento em altos escalões provoca escândalos políticos e derruba governos. Sentindo-se infelizes, alguns homens decidem livrar-se deles.

O trecho foi extraído do livro "A Mulher do Próximo", de Gay Talese, publicado pela Companhia das Letras em 2002.

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