A chegada de "Avatar" nos cinemas gerou uma expectativa que, apesar de muitos considerarem fora do comum, não deixa de ser típica. Já adianto que ainda não assisti (mas ainda vou), mas já não espero muita coisa além de belos efeitos visuais e um roteiro à lá Marvel Comics. De fato, o que pesa na bigorna é a tecnologia incrível que o diretor James Cameron utilizou nos cenários e personagens. Isso é o que leva a geral pro cinema; de resto, o que vier é complemento.

O jornal "New York Times" publicou um artigo interessante sobre a necessidade imagética que os espectadores (principalmente os mais jovens) têm em relação aos filmes e seriados que assistem. O conteúdo ou um bom roteiro, por exemplo, ficam em segundo plano diante dos belos efeitos especiais que tornam uma cena espetacular aos olhos de quem assiste. É a chamada 'Era do DVD', que conquistou os aparelhos de televisão de forma tão abrupta que está moldando o comportamento geral dos verdadeiros ociosos da atualidade.

Tal comportamento impede que os jovens, por exemplo, apreciem antigos seriados que usavam os recursos tecnológicos da época para impressionar os espectadores. Uma clara evidência é o recente lançamento da saga inicial de "Star Wars", dirigida por George Lucas. Quem ainda não assistiu a primeira trilogia certamente deve ter gostado da recente.

Entretanto, o roteiro é tão atraente que qualquer espectador que gosta da série quer assistir todos os filmes, que tem continuidade com a primeira trilogia lançada nos anos 1970. Mas a série antiga ainda sofre relutância por parte dos novos fãs porque é incomparavelmente inferior em se tratando de recursos tecnológicos.

Como afirmou o crítico de artes do "New York Times" Neil Genzlinger "os garotos se sentem estúpidos" quando percebem falhas na produção de um efeito especial, por exemplo. É como se eles quisessem trazer para a realidade as fantasias da ficção para suprir uma frustração recorrente da tediosa e simplória 'vida real'. Se a fantasia consegue inescapar aos olhos nus, então ela é passível de ser compreendida como realidade.

Para ampliar os exemplos o jornalista Dave Itzkoff, do "New York Times", relembrou em seu artigo a antiga série F Troop, que dominou as telinhas americanas entre os anos de 1965 e 1967. Em uma comparação, mostra os efeitos utilizados para fazer a cena de uma fuga. Os cavaleiros que perseguem o personagem atiram flechas para tentar acertá-lo. Hoje em dia, fica evidente que já havia flechas por trás do chapéu do personagem para tentar criar o efeito do tiro.

Perceber tais falhas imagéticas acaba comprometendo a expectativa gerada, fazendo com que, consequentemente, o filme ou o seriado 'perca a graça'.

Justifica-se a repetida (por vezes bem acertada, por outras não) aposta dos diretores pelas séries mitológicas, como vampiros, monstros horrendos, heróis superpoderosos ou grandes titãs. Atrai multidões porque sempre englobam histórias que 'têm graça', já que escapam da dureza insana da realidade. "Crepúsculo", o milionário best-seller que conquistou de vez a nova geração, por mais que se enquadre nas tendências atuais, não deixa de ser o resultado de uma exatidão de fórmulas: é mitológico, tem carga de dramaticidade que condiz com o sentimentalismo adolescente e tem efeitos incríveis. Foi a essência para a criação de uma série da Warner que descaradamente bebeu da mesma fonte, o tal "The Vampire Diaries".

O que é fácil de observar é que inúmeros tabus são criados e reinventados para tentar cativar ainda mais a atenção dos espectadores. Além dos famigerados prêmios de bilheteria, congratulação de fãs-clubes e estatuetas preciosas, o establishment cria incontáveis listas paradigmáticas para fervilhar a produção cinematográfica hollywoodiana. Daí às vezes saem bons filmes, mas na mesma proporção de tampinhas premiadas em garrafas de refrigerante.

Com a crescente demanda de filmes deste gênero, torna-se cada vez mais eficaz a perpetuação dos arquétipos imagéticos no imaginário dos espectadores. É aí que entra o lucrativo negócio dos videogames e da indústria dos brinquedos, que pegam carona nos espetaculares filmes de ficção. A interação com os personagens de uma série, por exemplo, torna mais próxima a penetração em uma realidade inexistente, deixando os vislumbrados mais distanciados daquilo que é real.

Ou seja, ficção e realidade se misturam em uma batalha que sai vencedor aquele que for mais atraente - no caso, o abstrato se sobrepõe ao concreto. E isso se reflete na realidade. Afinal, é melhor viver uma realidade fantasiada ou buscar fantasias para moldar o real? Como diria o teórico Theodor Adorno, "como viver verdadeiramente em um mundo falso?"

De fato o refúgio dos efeitos se tornou a plena salvação de alguns roteiros pífios. O que vale é a tendência do momento: se algo dá certo, é melhor usufruí-lo até o desgaste, para depois encontrar uma outra tendência que supere o tédio. É como se fosse um tratamento terapêutico para calar o choro de criança: dá-se um chocolate para que ele pare de chorar, mais outro, outro e outro, até que ela enjoe e peça um novo sabor. E assim sucessivamente.

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Mais triste é saber que, além de sermos alvos das tendências, somos atraídos fortemente por elas. A "Era do DVD" não chegaria a este ponto se não tivéssemos fácil acesso a tudo o que gostaríamos com um simples clique de 'Download'. Na verdade, é errôneo criar diversos termos para tentar explicar a realidade que vivenciamos, quando já estamos nela desde que o homem inventou a roda. Criamos necessidades tecnológicas desde que nos entendemos por gente; o que muda é que já avançamos imensamente neste sentido, principalmente no século passado após a matança geral de duas guerras mundiais.

Por mais que defenda uma volta às origens e uma valorização maior aos esforços intelectuais da mente humana, não passo de um reles refém dos efeitos especiais e da fugacidade tecnológica. Não fosse isso, jamais escreveria um post em um blog, que é uma ferramenta oriunda das novas capacidades da tecnologia. Pelo jeito, como diria um amigo meu, "o esquema é ponderar".


Feliz Ano Novo à todos e boa 'ponderação tecnológica'.


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2 Atemporalizados:

Mattheus Rocha disse...

Realmente, 'Avatar' atrai muito mais pelo espetáculo visual (assisti em 3D), do que pelo filme em si. A estética é inovadora, mas o conteúdo é apenas mais do mesmo.

Isso é sintomático da arte em geral. Vivemos na era da cultura "fast food". As pessoas valorizam muito mais a imagem do que o conteúdo.

Sem contar, as bem citadas fórmulas. As fórmulas para se atingir o sucesso comercial são cada vez mais usadas e acorrentam os verdadeiros artistas, que dependem de financiamento privado.

Será que a arte sobrevive ao entretenimento?

Tiago Ferreira da Silva disse...

Pois é Mattheus, difícil dizer se a arte sobrevive ou não ao entretenimento - provavelmente sim.

Mas a coisa pode ficar feia quando começarem a denominar de 'arte' aquilo que não passa de entretenimento. Aí todo o mercado e a produção cinematográfica 'cambia' pra este lado e o verdadeiro sentido da palavra 'arte' pode se reduzir a um mero fetiche de espetáculo visual.

Obrigado pelo comentário, volte sempre, Mattheus!
Abraço!

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