Há bastante tempo a discussão sobre público e privado deveria ser tratada com mais seriedade. Afinal, lá se vão 10 edições do pomposo 'Big Brother Brasil', programa em que as individualidades de cada participante passam a ser o espetáculo da nação e ditam as novas tendências comportamentais e mercadológicas.

O privado torna-se interessante porque, como enfatizei no post anterior, serve como fuga a uma realidade chata e sem graça. Observar o outro é essencial para que possamos captar os pontos altos de cada integrate - como forte personalidade ou até mesmo humildade - e nos dê informação para rejeitarmos aquilo que realmente é démodé - como vestimentas inadequadas, comportamentos intempestivos ou mesmo um sotaque muito aparente.

De certa forma esse 'encargo social' dos participantes e a atenta passividade dos espectadores gera uma forte pressão comportamental. Pois o 'Big Brother' é o atual dos atuais, mais pop que Andy Warhol, um verdadeiro símbolo da modernidade e da necessidade de estar integrado a ela.

Ser parte de uma tendência é a essência para que os próprios participantes entrem no jogo abstrato dos parâmetros da moda. Porque o reality show não acaba quando o vencedor leva o cobiçado prêmio para casa. A imediata repercussão do pós-teste é que vai mostrar se eles tiveram notas positivas ou não, como um ensaio para revistas masculinas ou homossexuais, aquela participação nas novelas noturnas ou mesmo um pequeno escândalo que eleve sua exposição na mídia.

Não deixa de ser uma estratégia eficiente iniciar o 'Big Brother' logo no começo do ano. Como diz um velho ditado: "Ano novo, vida nova". É como se o programa estivesse convidando cada espectador para fazer parte do novo que está por vir através de personagens selecionados que têm algo em comum com cada um que os assiste: o anonimato.

Diferente do legado das celebridades, que geralmente esbanjam suas fortunas em revistas de 'comportamento social' (é bom colocar as aspas mesmo nisso aí), os participantes de um reality show já tiveram dificuldades econômicas um dia, já tiveram que ralar para obter alguns bens materiais... Claro que essa regra vale só para alguns, senão o programa ilustraria com muito veracidade a realidade da maioria e perderia sua graça.

Deve fazer parte do jogo também aqueles que já foram bem-sucedidos na vida ou que tenham proximidade com a riqueza das celebridades. Por isso mesmo, o 'Big Brother' sempre traz cidadãos anônimos que tenham capacidade monetária de preencher essa lacuna fantasiosa.

É por esses e muitos outros motivos que o 'privado' invadiu a esfera do que é 'público'. Aprender com os erros dos outros é muito mais vantajoso do que cometê-los; espelhar-se na experiência dos outros é mais fácil do que dar a cara pra bater. E, claro (como não podia deixar de existir), ver a briga dos outros, a diferença que gera o conflito, as polêmicas que acercam cada participante, a competitividade excessiva que desmorona amizades e arrecada inimigos, as verdadeiras 'ações' que dão andamento ao programa são os principais atrativos de um reality show como o 'Big Brother'.

Para endossar a onipresença do programa, a publicidade investe (e arrecada) pesado. Diante de tanta força publicitária, os demais canais de rede aberta, vendo que não conseguem abatê-lo, começam a entrar na vida privada de cada participante do 'Big Brother', na tentativa de se integrarem e passarem a mão em uma pequena fatia do bolo de um reality show tão lucrativo.

Com os holofotes voltados para o programa, nem mesmo jornais considerados sérios conseguem ignorá-lo. Diante de tanta repercussão, assuntos que realmente têm cunho social são ofuscados pelas pequenas intrigas ocorridas naquela mansão fechada. A participação do público com os acontecimentos que realmente fazem parte de seu cotidiano são deixadas de lado e dão lugar às 'fantasias da vida real' que o 'Big Brother' pode lhes proporcionar.

Acaba tornando-se decepcionante, por exemplo, conversar com um espectador assíduo e notar que ele sabe o nome de todos os integrantes do 'reality show', mas não sabe quem serão os candidatos da eleição de 2010 e muito menos quais são aqueles que têm mais afinidade. Outros, nem sabem que o Lula não pode mais se candidatar novamente.

É isso que acontece quando o privado invade o público: as invencionices que tornam possíveis o 'mundo da fantasia' são informações mais relevantes do que os fatos que permeiam o nosso 'mundo real'. Ganha notoriedade aquilo que for mais confortante. E, nessa batalha, 'Big Brother' leva o filão de lavada.


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2 Atemporalizados:

Mattheus Rocha disse...

Tem razão. O exibicionismo e o interesse pela vida alheia invertem valores, derrubam estruturas e (des)intelectualizam o rebanho que aceita se submeter a isso. Lamentável.

Saudações.

Tiago Ferreira da Silva disse...

Pois é,
Complica ainda mais quando o interesse pelo privado gera o desinteresse pelo público. Aí sim, a efetiva participação da sociedade decai e a cultura de massa se fortalece.

Grande abraço, Mattheus!

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