Créditos da imagem: Gorka Lejarcegi (Jornal El País)

A catástrofe que ronda o Haiti é um claro exemplo para definir qual o papel de cada comunidade no mundo. Diante dos destroços e da triste calamidade, o que se vê é oportunismo em excesso para ver quem contribui mais no 'Show da Doação' do Haiti.

O problema não é a filantropia, mas o que está por trás dela. No momento em que a tragédia se tornou o epicentro dos noticiários, a China, país que mais cresce na atualidade, não poupou esforços para anunciar um envio de US$15 milhões aos haitianos. Para não ficar pra trás, Estados Unidos apressou-se em enviar auxílio financeiro, seguido da Comunidade Europeia.

Dá a entender que a condução da enorme crise que se estabeleceu no Haiti sirva de pretexto para que os mais ricos provem que somente extensas quantias de dinheiro podem salvar aquela nação da miséria eminente. Com isso, constrói-se a falsa ideia de que, se não fosse a ajuda dos gigantes do globo, aquele pedaço de terra (e sua população) sofreria o risco de ser deletado do mapa.

Acontece que, há tempos se fala em um investimento de infra-estrutura e de melhoria social no país. O Brasil já chegou a avançar esse debate, mas foi barrado pelo descaso dos Estados Unidos. Antes da calamidade, o Brasil tinha o maior contingente de tropas fora do país desde a Segunda Guerra Mundial: cerca de 1.500 soldados ocupavam as ruas de sua capital, Porto Príncipe. O motivo da ocupação (desde 2004) era garantir a segurança do país mais pobre do hemisfério ocidental - naquela ocasião, o Haiti era a 154ª colocação no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), 23 posições a frente do último (o Niger).


Mas a verdadeira negligência humanitária das doações não demorou a mostrar sua face. A falta de organização na entrega do material doado (principalmente comidas) é comparável ao tratamento agressivo dos treinamentos do BOPE. Quando se tem o poder, e sabe-se que muitos dependem dele para fazerem parte do jogo capitalista, o senso de humanismo diminui e, em troca, adquire-se comportamentos elitistas que não permitem o contato em mesmo nível com o outro menos abastado.

Afinal, o que mais explicaria o terrível fato de arremessar alimentos de helicópteros amplamente protegidos, enquanto os miseráveis na terra plana batalham para conseguir levar o tão escasso prêmio da refeição doada por entidades? Quer dizer que, porque sofreram de uma causa ambiental, as autoridades podem se dar ao luxo de tratá-los como animais enjaulados naquele mísero pedaço de terra?

A quantidade material tomou o espaço da interferência humana. Para se ter uma ideia, o Exército brasileiro, que tem a missão de proteger cidadãos da violência (que aumentou depois do terremoto com saqueamentos, furto de comida, repressão policial para conter os tumultos, etc), são os poucos responsáveis pela entrega dos alimentos em solo. Assustados com o motim que se segue às entregas, eles abandonam os pontos estratégicos rapidamente para evitarem um conflito com os civis; mas, neste ato de prevenção, acabam suscitando um conflito entre civis. Pois nem todos têm a 'sorte' de receber os alimentos doados.



PEQUENO RESGATE HISTÓRICO

Peter Hallward, colunista do jornal britânico "The Guardian", lembrou que grandes catástrofes naturais, como terremotos, já aconteceram anteriormente no Haiti. Mas ele atenta ao fato de que o maior problema do país é a pobreza; e a pobreza, a consequência brutal da colonização.

No século XVIII, o Haiti já chegou a ser a colônia francesa mais eficiente em termos de produtividade de açúcar, cacau e café, apesar do sistema opressivo dos europeus. Mesmo assim, em 1794 foi o primeiro país do mundo a abolir a escravidão após uma grande revolta popular.

O país tentou estabelecer uma política independente, mas o ex-escravo Toussaint Louverture, que liderava a população haitiana, foi capturado e morto pelos franceses, que incitaram a proclamação da independência e bloqueram comercialmente o país por mais de seis décadas. Para sair da reclusão, os haitianos tiveram que pagar uma absurda quantia para os franceses, abalando imensamente sua economia.

Em 1915, os norte-americanos ocupam o Haiti com a premissa de organizarem politicamente o país. Na tentativa de prevenir o cargo de presidência aos mais pobres e evitar manifestações populares, eles apoiaram em 1957 o político François Duvalier, o Papa Doc, para administrar o país. Papa Doc instaurou uma ditadura que não permitia articulações políticas contrárias e espalhou a política do medo, perseguindo a Igreja Católica e disseminando a exploração vodu. Essa perseguição perpetuou-se até a década de 1980, com seu filho Baby Doc no cargo.

Tempos depois, em 1990, o padre católico Jean-Bertrand Aristide assume o poder com 75% dos votos da população haitiana em eleição democrática, mas é deposto pelos generais e obrigado a se exilar nos Estados Unidos. Como retaliação, a comunidade internacional decide bloquear o comércio com o país, desestabilizando de vez sua economia. Em 1994, Aristide volta ao poder, mas assume um Haiti mergulhado na miséria e no caos da violência.

A partir de então, a situação só tem piorado. Sem articulação política sólida e com uma economia estagnada, o país não tinha condições de manter sua população de mais de 8 milhões de pessoas de forma eficiente. Para se ter uma ideia, cerca de 75% da população vive em situação de miséria: 56% delas vive com menos de $1 por dia.

Portanto, a dívida das grandes nações com o Haiti é imensa. Séculos de colonização e exploração culminaram em um desastre civil que o tornou um dos piores países para se viver. Sem dinheiro, sem força política, sem aliados, o Haiti é nada mais que um espaço ocupado. Com o terremoto, passou a ser um fardo para as nações. Só que, deste fardo, a comunidade internacional pretende realçar sua abstrata força voluntária e trata os cidadãos haitianos como se fossem meros animais, meros destroços, meros objetos inanimados que precisam se ver livres da sujeira de alguma forma.

A demagogia construída com a condução da crise haitiana chega a ser maior do que os vastos problemas que ela enfrenta. As doações continuam a ser feitas, o que não deixa de ser uma boa notícia diante da catástrofe. Mas, enquanto não houver organização para distribuir todas as arrecadações, a situação pode piorar. No momento, isso é o mínimo que a comunidade internacional tem que se dispor a fazer.

E, enquanto isso, pensar em uma possível reconstrução de Porto Príncipe, pois a miséria lá instaurada, em larga escala, é a causa do enriquecimento daqueles que hoje mandam no globo.


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2 Atemporalizados:

Anônimo disse...

Sinceramente sempre sinto certa dor por saber que o ser humano só toma uma atitude quando milhares de vidas são sacrificadas. Reconhecer o valor de cada indivíduo é essêncial para que a humanidade realmente evolua, do contrário, paises como o Haiti, um país pobre e que antes desse desastre já tinha seus incontáveis problemas vão continuar excluidos e serão lembrados apenas em tempos de desespero.

Tiago Ferreira da Silva disse...

É verdade, Mellany, faço das suas minhas palavras.

Como se já não bastasse o descaso humanitário diante do sofrimento de uma nação, ainda vemos gente se apoiando na tragédia para conquistar mais popularidade e prestígio internacional - o chamado oportunismo.

É como já dizia o ditado: enquanto houver miseráveis para os ricos se apoiarem, a disparidade continuará existindo. (Não é bem assim com essas palavras, mas é tipo isso...).

Valew Mel, beijão!

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