segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Dilma Rousseff e o 'Estado forte'

 
No pronunciamento de sua pré-candidatura, Dilma Rousseff pregou a necessidade de um Estado forte e reaparelhado. Os principais jornais do país (O Globo, O Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo) não perderam a oportunidade de estampar a declaração em suas manchetes. 

Neste caso, é necessário relembrar que o Estado tem, sim, papel fundamental na construção da cidadania e na consolidação da democracia. Ora, como determinados setores sociais podem avançar sem o aval e o investimento do Estado? Como uma nação pode se considerar progressiva e desenvolvida sem que o governo auxilie sua população a ter acesso a bens de educação, saúde, lazer e emprego?

Da forma como os jornalões noticiaram, dá a entender que Dilma Rousseff, por ser uma candidata que não desfruta da mesma personalidade extrovertida de Lula e por ter-se envolvido em questões militares enquanto lutava contra a Ditadura (como o sequestro do embaixador norte-americano), pode estar inclinada às decisões radicais, contrariando o jogo do neoliberalismo que ainda alarga os sorrisos do setor empresarial.

A fortificação do Estado foi o argumento utilizado pelos militares para a manutenção da 'ordem' no país enquanto a repressão comia solto. O papel do Estado também foi fator decisivo para as políticas implantadas por Getúlio Vargas antes, durante e depois do Estado Novo, em 1937. 

Há várias ressalvas a serem feitas quando se fala em 'fortalecimento do Estado'. Prendendo-me ao discurso e não às idiossincrasias da candidata, um Estado autônomo tem o dever concreto de facilitar, fazer acontecer, presenciar e administrar corretamente cada delegação a que está incumbido. Esse é o seu papel fundamental.

Ao contrário de alguns exemplos, não é um Estado forte que determina que setores devem ser 'estatizados', tal qual Venezuela, ou que as principais obras de infra-estrutura devam ser realizadas pelo orçamento estatal. Em alguns casos, pode-se dizer que há 'abuso de Estado', mas sua simetria é absolutamente relativa, pois cada nação tem necessidades diferentes. Explico: se o Estado não tem condições de garantir o bem estar de seus cidadãos, deve contar com o apoio da iniciativa privada para obras de infraestrutura, por exemplo, e reservar seu orçamento para investimentos mais urgentes, como saúde básica.

No jogo do capitalismo, um Estado forte deve valorizar, também, a iniciativa privada. Afinal, é ela que garante investimentos exteriores e a remessa de grandes fluxos de capital, que contribui para a melhora econômica do país. Entretanto, o Estado deve garantir que o direito dos cidadãos devem ser priorizados, mesmo que medidas mais ousadas tenham que ser tomadas.

O QUE A CRISE NOS ENSINA

A crise econômica de 2008-2009 provou de vez que as amarras do neoliberalismo podem ser nefastas. Deixar a economia gerar por ela mesma suscitou no maior rombo financeiro global desde o "Crash de Nova York", de 1929. O descaso estatal nas operações financeiras e nos rumos econômicos da nação foi a força motriz para que a bolsa despencasse.

Todavia, temos a China crescendo normalmente, com seus 10%, mesmo com uma recessão global. E aí caímos naquele paradigma: por quê? Ora, pela onipresença do Estado. Muitos podem argumentar que a China explora seus trabalhadores, mantém uma política repressiva e tudo o mais. Mas, gostaria que me explicassem o fenômeno: como, em 1978 (com Deng Xiaoping), um país hegemonicamente agrícola conseguiu tirar da miséria, de uma só vez, mais de 300 milhões de chineses? Com uma forte política de Estado, que há décadas é mantida na China.

Nos Estados Unidos, Barack Obama mantém uma política de Estado forte - e algumas vezes necessariamente interventor - para que o país saia o quanto antes da recessão econômica. Cede empréstimos a bancos e indústrias automobilísticas para que o setor privado também se fortaleça. Nesse caso, vemos que é possível, sim uma progressão do público e privado sem que interesses diretos entrem em conflito.

Quando falo de Estado forte, digo que deve haver, sim, uma sincronia com o setor privado, a partir das necessidades de sua nação. Pelo Brasil, digo que essa dinâmica é bem trabalhada. Mas ainda falta muita fiscalização e mais independência.

Pois, quando o Estado enfraquece e, consequentemente, o investimento privado aumenta de forma exponencial, alguma coisa está errada. O Estado fica dependente e, as decisões que lhe cabem, são automaticamente tomadas por outros. O que não quer dizer que o Estado tem o direito de silenciar vozes da oposição, limitar iniciativas privadas ou calar a imprensa. Longe disso. 

O Estado tem o dever de fazer valer a voz da população, pois ele é a sua representação máxima. E, se a voz do povo está fortemente representada, nenhum direito pode ser deturpado e nenhum interesse individual pode estar acima dos rumos da nação. Não se pode confundir Estado com políticas individuais. Ou o seu sentido perde-se completamente em discursos camuflados.


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6 Atemporalizados:

Beth Muniz disse...

Olá,
Este é um belo debate. Tanto do ponto de vista político quanto ideológico.Que infelizmente não dá para fazer apenas com um post.
Eu estava lá, e portanto, sei muito bem o que a candidata, falou em contexto global.Para mim, um Estado deve estar a serviço de todos, assegurar os meios de produção e consumo, fortalecer as instituições democráticas,regular o mercado no que é essencial e possibilitar que os setores econômicos cumpram o seu papel. Em outras palavras: Um Estado de Direito Democrático para todos. Gostei do post. Politiza a internete. Parabéns.

Berenice Ribeiro disse...

Muito bom o texto, concordo em parte com ele. Penso, porém, que o que a Sra. Dilma pretende está mais ligado aos dois exemplos citados por você: "A fortificação do Estado foi o argumento utilizado pelos militares para a manutenção da 'ordem' no país enquanto a repressão comia solta. O papel do Estado também foi fator decisivo para as políticas implantadas por Getúlio Vargas antes, durante e depois do Estado Novo, em 1937.", ambas em ditaduras. Creio que todos queremos um Estado forte, que retribua com serviços às nossas altíssimas contribuições, mas ninguém mais quer uma ditadura, seja ela de direita ou de esquerda, que, ao que parece, é aonde quer chegar o atual governo. Abçs

Tiago Ferreira da Silva disse...

Beth,

Esse é o papel fundamental do Estado. Afinal, ele é a representação máxima do povo, seja ele democrático ou não. Temos que apoiar seu fortalecimento se queremos que nossas necessidades sejam supridas pelo governo.

Obrigado pelo comentário, volte sempre!!!
Abs!

Tiago Ferreira da Silva disse...

Berenice,

Bom, em minha análise me fechei apenas ao termo 'Estado forte'. O futuro é incerto, não posso prever nada, mas acho muito difícil ver a Dilma inclinada aos ideais radicais. O fato dela ter participado ativamente na oposição ao Regime Militar não a torna uma comunista em si. Creio que Dilma Rousseff aparenta ser rude não em sua forma de governar, mas em sua aparente postura administrativa.

Mas, enfim, não quero prever nada. Ainda é cedo.

Muito obrigado pelo comentário, volte sempre!

Abs,
Tiago

Anônimo disse...

Discordo de uns poucos pontos que não vem ao caso levantar nem discutir.
A verdade é que o Estado não pode ficar à mercê dos humores do mercado e precisa ter controle sobre a produção de bens estratégicos. Principalmente quanto à exploração mineral e fornecimento de serviços públicos essenciais, pois de outra forma, como você bem disse, fica à mercê da iniciativa privada e,em muitos casos, estrangeira.
Um outro sentido neste Estado forte, é regular as relações comerciais e estabelecer prioridades na produção e distribuição de bens e serviços para que estes possam atender às necessidades sociais e não somente vise o lucro.
O empresário e o investidor tem como finalidade única o lucro. E estão corretos, pois cabe ao Estado a canalização da produção para on interesses da sociedade.

Tiago Ferreira da Silva disse...

Erick,

Você disse tudo. O Estado deve "estabelecer prioridades na produção e distribuição de bens e serviços para que estes possam atender às necessidades sociais e não somente vise o lucro", ao contrário da iniciatova privada que, concordo com você, deve visar o lucro, afinal estamos no sistema político capitalista, onde os bens de produção não são apenas mantidos pelas estatais, nem somen te pela iniciativa privada. É como se ambos trabalhassem em conjunto para melhor atender às necessidades da população.

E o Estado forte deve ser autônomo dessa iniciativa privada - é isso que defendo. O que não quer dizer que ele deva ser centralizador.

Muito obrigado, novamente, pelo seu comentário!!
Abs,
Tiago

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