quarta-feira, 10 de março de 2010

O feminismo em uma modernidade machista

Mariana se considera uma feminista moderna por contrariar todo o esquema social que há milênios prioriza os homens. Não se conforma com dados historiográficos que enaltecem os heróis masculinos e faz o que pode para reverenciar as figuras femininas que fizeram da vida humana, como ela mesmo define, "algo mais suportável de se aguentar".

Fernando é um cosmopolita de carteirinha, bebedor nato de cerveja forte e vodca russa e um grande apreciador do ato da paquera. Regozija-se com sua moto de 600 cilindradas e gosta de apostar em mega sena acumulada e nos bolões de jogos estaduais. 

Eles se conheceram no trem lotado de manhã, após uma conversa informal que questionava o sistema de transporte público.

- Pegar trem de manhã é embaçado. Tá certo que é mais rápido e tudo o mais, mas não deixa de ser uma porcaria! - reclamava o ranzinza Fernando, que sempre fazia prevalecer suas vontades quando se achava detentor da razão.

Saíram e acabaram descendo na Avenida Paulista. Descobriram que trabalhavam no mesmo prédio e lamentaram não se conhecer anteriormente, devido ao interesse surgido de um pelo outro no decorrer dos diálogos.

Mas tudo tem um momento derradeiro; o que realmente pesa na balança é a intensidade de cada falha humana para trazer à tona o sentimento de decepção.

- Como você me diz que é a favor das mulheres na política mas não tem nenhuma inclinação a votar na Marina Silva ou na Dilma? Isso me soa patético, como muitos desses argumentos feministas que têm infectado o noticiário .

- Fernando, entenda uma coisa: não é porque sou uma mulher politizada e militante da participação feminina na sociedade que devo dar meu voto a essas candidatas que não têm um projeto que concordo. Acho que você não entende a causa: lutamos por uma sociedade igualitária, onde temos o direito de fazer o que quisermos sem ser questionadas e ainda contar com a igualdade nos escalões sociais. Muito me indigna ver mulheres ganhando menos em empresas, tendo os piores cargos, trabalhando mais que os homens...

- Beleza, mas não custa anda dar um apoio a uma mulher. Significaria uma vitória do feminismo.

- E um aprisionamento partidário, tendo em conta que não concordo com o que essas mulheres dizem. Isso também é ser igual.

- Então não me venha criticar os homens que realmente mudaram a história - finalizou Fernando, com um gosto de que venceu a guerra contra os argumentos ultrapassados de Marina.

Deve-se pôr em xeque que Fernando estudou em universidade pública  e participou de movimentos estudantis. Marina pagou como pôde para ingressar em uma instituição privada que  não desfruta do prestígio de uma pública. Políticas de ensinamento à parte, Marina sempre se empenhou para o trabalho e Fernando teve bastante tempo para focar nos estudos enquanto jovem.

Eles trabalham na mesma empresa, mas mal se conheciam. Fernando era Assistente de Marketing há cerca de dois anos e tinha um salário por volta de R$3.000; Mariana era Gestora de RH há quase sete anos e ganhava por volta de R$2.500. Ambos entravam às nove da manhã, mas Marina era responsável por cuidar do treinamento de novos funcionários e dos relatórios a serem entregues para seu superior, que chegava a ganhar quase o triplo de seu salário. Ela saía lá pelas oito da noite, enquanto Fernando saía às seis religiosamente.

Outra vez Marina e Fernando se encontraram, depois de interromperem as relações.

- Se as mulheres não têm os melhores cargos, é porque elas não têm capacidade - afirmou categoricamente Fernando.

- Sabe por que as mulheres não são iguais aos homens? Porque eles construíram uma fortaleza que impede que elas sejam colocadas no mesmo nível política, econômica e socialmente. Eles detêm o poder. Agora, milhões de anos depois do primeiro homem pisar na Terra, esses direitos são reivindicados. A pressão deve ser feita. As mulheres realmente ainda estão por baixo. Já vi homens que defendem direitos das mulheres mas não abrem mão de seus altos salários para fazer valer a igualdade. Tá rolando muita demagogia com isso aí.

- Eu não abro mão, mas pelo menos admito que tenho um pé no machismo.

Mariana saiu pensativa. Começou a fazer um retrospecto de todos os homens que conhece e intelectuais que admira para revisar o verdadeiro sentido do termo feminismo. Existe muita demagogia mesmo, preconceito rola a toda parte... o mundo está mudando e ela faz o possível para ser uma das protagonistas dessa transição. O machismo ainda é o grande algoz dessa gestora, mas ela percebeu que lidar com ele é algo que cada vez mais fará parte de seu cotidiano. Afinal, ela trabalha em uma empresa cujo presidente, vice e maioria dos conselheiros são homens.

Talvez o feminismo estivesse preparado para vencer, mas seu campo de batalha cria inúmeros obstáculos para que ele possa iniciar o confronto. Mariana percebeu isso nos argumentos sinceros de Fernando, apesar de não compreender como o machismo ainda se faz presente no discurso moderno. Pode ser que tudo gire em torno de uma futura igualdade, mas Mariana é esperta o bastante para saber que só a sustentação dessa utopia não deixa de ser uma ilusão difundida pelos 'machistas modernos'. Afinal, os argumentos mudam mas a situação continua a mesma.

No dia seguinte, Mariana se deparou novamente com Fernando e fez questão de não tocar mais no assunto do feminismo. Afinal, ela decidiu se conformar, pois chegou a conclusão que o machismo ainda dita as diretrizes para a permissividade do feminismo. Sua causa estava praticamente fadada à derrota e ela decidiu que era hora de seguir em frente, assim como se estivesse se superando de um relacionamento.

- E aí Fernando, podemos assistir aquele futebol juntos e tomar uma cerveja gelada depois do expediente?

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* É com pesar e atraso que declaro um Feliz Dia Internacional às mulheres de todo esse globo, apesar de achar que todos os dias deveriam ser dessas pérolas, que fazem nossas medíocres vidas serem mais suportáveis.


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