Tribo Maasai, que habita entre o Quênia e o norte da Tanzânia

Ainda hoje o continente africano é tratado como se fosse um subcontinente, um fardo dos países industrializados, uma pecha do sistema capitalista que não tem condições de fazer parte do 'jogo democrático'. Muitos levam a sério aquela frase segregacionista cunhada pelo célebre ex-presidente francês Jacques Chirac: "a África não está madura para a democracia".

Entretanto, é fácil cairmos nessa anedota ao depararmos com a situação de países como Niger, Congo ou Togo. Afinal, os antigos colonizadores africanos são os verdadeiros responsáveis pelas calamidades que hoje rondam o continente - assim como aconteceu com o Haiti.

A jornalista francesa Anne-Cécile Robert, especialista em relações europeias com a África, publicou no "Le Monde Diplomatique" (que teve uma tradução para a publicação brasileira - muito boa, por sinal) uma reportagem sobre os rumos democráticos do continente na década de 2000. Em sua apuração, relatou que a democratização à africana é delegada de clientelismos e opressão aos adversários. Tudo isso sustentado pelas colônias francesas e americanas.

O ex-ministro do Togo Atsuste Kokouvi Agbobli, que fora encontrado morto numa praia em 2008 (provavelmente assassinado), fez um importante e reflexivo questionamento: "É possível democratizar países dominados pelo estrangeiro?". 

Vale ressaltar que o domínio estrangeiro ainda presente na África decorre de sua abundância em bens naturais. Essa elite exploradora, para sustentar seu domínio, faz o que pode para bagunçar as nações, promovendo governos tirânicos que suscitem em violentas guerras civis. Assim, abstratamente o grupo estrangeiro pode reforçar seu tom acalentador e explorar à vontade o rico território africano. Um militante do Congo testemunha: "Em meu país, onde a empresa de petróleo Elf exerceu por muito tempo papel dominante, não hesitando em apoiar um golpe de Estado, existe a legitimidade democrática e a legitimidade petrolífera".

Segundo Anne-Cécile, "as populações perdem a confiança nos partidos e, diante da descrença na democracia, militares se colocam como justiceiros e a rebelião armada se torna uma solução lógica".

Nesse jogo de onde o mais forte faz o que pode para enfraquecer mais ainda os que não têm poder, nações inteiras são comprometidas pelas tiranias dos golpes de Estado patrocinados. Em 1961, o serviço secreto belga e a Central Intelligence Agency (CIA) articularam o assassinato do primeiro-ministro do Congo independente  Patrice Lumumba, o primeiro a declarar que a África tinha que se desvincular economicamente da Europa. Na Burkina Faso, o mesmo episódio se repetiria: o primeiro-ministro Thomas Sankara seria assassinado em golpe de Estado organizado pelas redes Françafricanas em 1987.

Diante deste cenário, percebe-se que o presente da África é resultado de um continuísmo da repressão europeia do passado. Apesar dos inúmeros avanços democráticos e humanistas no continente, como a chegada de Nelson Mandela à presidência sul-africana - pondo fim a décadas de segregação racial do apartheid -, a participação de todos os partidos políticos nas eleições presidenciais do Togo e a alçada ao poder dos civis após dura ditadura no Mali, o continente ainda sofre com, segundo termos da jornalista, "processos malconduzidos". Na verdade, são tentativas de manter a estabilidade das nações após a intervenção estrangeira. Quanto a isso, a comunidade internacional prefere nem abrir os olhos; negligencia, para não por em xeque sua parcela de culpa.

Intelectuais africanos defendem uma nova unidade fortificada do africanismo para escapar do domínio estrangeiro. O escritor camaronês Celestin Monga diz que o continente "sofre de quatro déficits profundos que se reforçam mutuamente: déficit do amor-próprio e da confiança em si; do saber e do conhecimento; da liderança; e da comunicação".

Já o escritor queniano Firoze Manji é a favor do papel das novas tecnologias na formação à distância sobre "assuntos variados como a defesa dos direitos humanos, a prevenção dos conflitos ou o papel da mídia". Ele aposta nas novas gerações, os "cheetah", "que não sofreram os traumas da colonização e nem querem ouvir falar deles".

Seria necessário uma mobilização popular africana para romper com a dependência europeia e americana, mas, quem garante que as superpotências não revidarão com mais força?

Em tempos de Copa do Mundo na África, essa é uma questão que deve, sim, entrar em pauta.


** (Referência: Anne-Cécile Robert, "África, entre a democracia e os resquícios autoritários", Le Monde Diplomatique Brasil, fevereiro de 2010, pg. 31.)


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