quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Grandes Álbuns #4: Bob Marley - Survival




Difícil definir Bob Marley em um álbum só. O cara foi (é) o rei do reggae e da Jamaica, um ativista da paz universal, pai de doze filhos, um cantor de primeira e, obviamente, um grande revolucionário. Aliás, essa é a faceta mais evidente em um de seus últimos trabalhos de estúdio, "Survival". (Inclusive, 2009 foi o ano de seu 30º aniversário, mais especificamente no dia 2 de outubro. Portanto, este post serve como uma tardia comemoração desta pérola. E também , claro, porque integra um dos melhores trabalhos que já escutei...)

Bob Marley teve a ideia de conceber "Survival" pensando na unificação dos negros africanos para confrontarem a repressão política e segregadora do apartheid. Na verdade, o compositor pensou em nomear o álbum de "Black Survival" mas, para não sofrer censura total no continente por parte dos poucos brancos que mandavam por lá, optou apenas por "Survival".

O álbum é o primeiro de uma trilogia que revela, em minha humilde opinião, uma das fases mais áureas de Bob Marley. O próximo trabalho, "Uprising", foi lançado em 1980, ano da turnê de independência do Zimbabwe, e "Confrontation", seu álbum póstumo, foi lançado somente em 1983.

"Africa Unite", o primeiro single de "Survival", já é revolucionária logo por seu título. Para quem não sabe, o continente africano foi explorado pelos colonos justamente pelo conflito tribal entre os nativos. Os europeus alimentaram essa richa entre eles para poder dominar o território e explorar os recursos naturais com facilidade. Até hoje a maioria dos países africanos sofre com esse terrível 'causo' que tornou a África o continente mais pobre e segregado de todo o mundo. Quando Bob Marley canta "Africa Unite" ele clama por essa união, que carece de fortalecimento individual e coletivo: "Africa Unite / Because we're moving right out of Babylon / and we're going to our father's land" ("Africa unida / porque temos que sair da babilônia / e estamos indo para terra de nosso pai").

Marley é um ativista conscientizado e atento à realidade de seu tempo, que infelizmente se perpetua até os dias atuais. "So Much Trouble In The World" é apenas um prelúdio das desgraças que assolam o mundo. Não por coincidência, é a primeira faixa do álbum. Para ele, (sabiamente) só uma união muito grande pode evitar com que mais catástrofes aconteçam em esfera universal. Como aquela famosa frase: 'live together, die alone'.

So you think you've found the solution, [Então você acha que encontrou a solução]
But it's just another illusion! [Mas é apenas outra ilusão!]
So before you check out this tide, [Antes de checar esta maré]
Don't leave another cornerstone [Não deixe outra curva]
Standing there behind, eh-eh-eh-eh! [Vegetando lá atrás, eh-eh-eh-eh]
We've got to face the day; [Temos que enfrentar o dia]
Ooh-wee, come what may: [Venha o que vier]
We the street people talkin', [Nós, as pessoas da rua conversando]
Yeah, we the people strugglin'. [Nós, as pessoas lutando]
"One Drop", umas das músicas mais instigantes de Bob Marley, indica que a batalha e a união dos mais fracos é o caminho certo de Jah, porque, como ele mesmo canta em sua canção, 'we no want no devil philosophy' ('não queremos essa filosofia do capeta').



Mas, de todas as canções, os marleymaníacos (como eu) hão de concordar que "Zimbabwe" é a música-chave de "Survival". Ela foi composta para ser tocada no dia da independência do país-canção da Rodésia, colônia britânica comandada pela oligarquia branca no poder, e acabou se tornando um hino (mesmo que não seja oficializado) no Zimbábue, que se tornou independente em 1980. "Zimbabwe" não é apenas o claro exemplo da necessidade de enfrentar as agruras do sistema em um país que foi marcado pela tragédia separatista do apartheid, mas clama a luta, o esforço que deve vir do cidadão comum para lutar pelos seus direitos ('we gonna fight / fight for your rights').

Também não é só uma extensão de "Africa Unite" e o remodelamento de uma unidade pátrio-racial para tentar acabar com o preconceito contra os negros e africanos no globo, mas, sim, um verdadeiro ato de entrega às origens de Bob Marley à mãe África, uma contribuição histórica ao povo daquela região, ou, mais ainda, uma forma representativa do compositor em batalhar pelo lado que sempre esteve: ao lado dos jamaicanos, das origens africanas, da paz universal, do amor pelo outro. Essa é uma revolução da qual Bob Marley jamais reincidiu. Uma revolução, além de tudo, humanitária.



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4 Atemporalizados:

Gabriel Rocha Gaspar disse...

Caramba, Tiaguinho. Belíssima análise. Survival é meu disco preferido do Bob Marley... Aliás, é meu disco preferido, ponto. Uma vez, o pessoal da Radiola Urbana me pediu para montar uma lista dos dez maiores discos da história e Survival tava lá, na cabeça.

Engraçado que essa turnê de 1979 dos Wailers foi uma das mais fracassadas que eles fizeram. Não pela qualidade musical, é claro. Mas porque Bob Marley tinha nítido pra si próprio que os negros americanos precisavam "acordar". E ele topou encarar uma turnê pelos Estados Unidos, território historicamente inóspito para artistas do Terceiro Mundo. Foi basicamente uma turnê por universidades - o primeiro show foi em Harvard, no Amandla, um festival anti-Apartheid; depois, ele seguiu para a UCLA, mas uma pane elétrica impediu que o show terminasse. A excessões foram justamente os bairros negros. Bob lotou o Apollo (Harlem) em quatro noites consecutivas e o Beacon, em LA, em duas. Em Chicago, ele também fez alguns shows para negros, em benefício da Sugar Ray Robinson Foundation.

Esses trechos que você colocou no post são da apresentação no Santa Barbara County Bowl, um anfiteatro. Salvas essas excessões, foi uma turnê meio deprê. Em todos os lugares, eles eram meio mal recebidos, os shows mal divulgados e os problemas com aparelhos de som eram frequentes. Chegou ao absurdo de o clássico Fender Bass de Aston Familyman Barrett ser extraviado em Cleaveland.

Embora a coisa não tenha rolado como Bob esperava, a turnê de 79 serviu para acender uma centelha na negrada nos Estados Unidos. Em 80, ele partiu para a África, tocou no Gabão, na Etiópia e no Zimbábue, nesse clássico 14 de abril que você cita, dia da Independência. De lá, seguiu para a maior turnê da história do reggae. Bob foi recebido na Europa com pompas de popstar, tocou para 150 mil pessoas no Estádio San Siro (Milan) e para 80 mil, no estádio do Borussia Dortmund.

Era a hora de voltar para a América com força total. E deu certo. O primeiro show foi direto num lotadíssimo Madison Square Garden, em Nova York, com direito a presenças ilustres no camarim, como John Lennon, The Commodores e Stevie Wonder - que inclusive deu uma palhinha em Get up Stand Up. De lá, Bob seguiu para Rhode Island, LA e Pitsburgh. Mas, enquanto aos olhos de todos, tudo parecia às mil maravilhas, o próprio Bob sabia que o fim estava próximo. A coisa ficou esquisita quando, na véspera do show em Pittsburgh, Bob teve um colapso no Central Park e acordou com amnésia, sem saber onde estava ou o que estava fazendo. Ele tocou em Pittsburgh, no Stanley Theater, em 23 de setembro. E foi a última vez que o público viu Bob Marley no palco.

Mas sem dúvida, Survival - disco e turnê - foi o divisor de águas, foi o que transformou o artista em revolucionário. Muito bem lembrado, Tiaguinho! Abraço

Tiago Ferreira da Silva disse...

Gabriel,

Sem palavras para teu comentário sobre Bob Marley. Pode ter certeza que em meu Top 10 o "Survival" estaria por lá, nem tenha dúvidas. Na verdade, adiei um pouco para escrever sobre esse disco porque estava afim de coletar mais informações em alguma biografia dele - pois, infelizmente, ainda não cheguei a ler nenhuma.

Falando em Top 10, um dos discos da lista, o "Tábua de Esmeralda", já foi resenhado aqui também.

Curti sua lista, até porque conheço todos os discos listados e tenho grande afinidade com a maioria deles. Quanto ao "Afrociberdelia", não demorará muito para ser tema de um post.

Valew pelo comentário, irmão. Aliás, finalmente apareceu, né!?! hauahuahahha!!!

É uma honra, grande abraço mano!!!!

Gabriel Rocha Gaspar disse...

Mano, biografia do Bob Marley é uma: Catch a Fire, do Timothy White. Em português, ela recebeu o nome estúpido de "Queimando tudo", que não tem nada a ver com a expressão original. "Catch a fire" na Jamaica é uma ameaça, não tem nenhuma relação com maconha.

E vc acha que eu não pingo aqui, malandro?! Demorei pra comentar, mas tô na área direto, fiote!

Abraço!

Tiago Ferreira da Silva disse...

Pode crer, era essa biografia que estava com vontade de ler. Vai pra fila.

hauhauhau, então, reformulando meu convite: continue aparecendo sempre mano!

Abraço!

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